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Plataforma PARI-c reúne dados e reflexões sobre as respostas indígenas à pandemia de Covid-19

  • Escrito por Heleno Rocha Nazário
  • Publicado: Terça, 26 de Outubro de 2021, 10h31
  • Última atualização em Terça, 26 de Outubro de 2021, 15h31
  • Acessos: 1785

O trabalho de pesquisadores indígenas e não-indígenas para entender como os povos originários reagiram à pandemia de covid-19 têm rendido muitos frutos para a reflexão e a ação. Com a forma de uma rede de pesquisa e de trocas, a Plataforma de Antropologia e Respostas Indígenas à COVID-19 (PARI-c) registrou ao longo de 2021 com um programa que tem a mescla étnica, a equidade de gênero e o trabalho mediado pela tecnologia articulado à presencialidade como marcas. É, também, um esforço de investigação científica que se coloca acessível online, em um site com diversos documentos e produções que mostram e provocam o pensar sobre a resistência indígena às várias dificuldades que enfrentam durante o período de isolamento social. O projeto é apoiado pelo Conselho Médico de Pesquisa (MRC), pela Agência de Pesquisa e Inovação do Reino Unido (UKRI) e é fruto de um acordo de cooperação internacional entre a Universidade de Londres (City University), no Reino Unido, a Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a Universidade do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade de São Paulo (USP), no Brasil.

 

Ao todo, cerca de 70 pesquisadores e 25 colaboradores de todas as partes do Brasil integram as equipes regionais da PARI-c. O antropólogo e professor da UFSB Spensy Pimentel e a antropóloga e pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa Saúde Coletiva, Epistemologias do Sul e Interculturalidades da UFSB, Amanda Horta, participam da iniciativa; Spensy coordena a equipe Nordeste, Amanda lidera a equipe Brasil Central e Amazônia Meridional. A expectativa é de que a plataforma divulgue os resultados dos levantamentos em forma de notas de pesquisa, documentários e estudos de casos, estes organizados a partir de três eixos de análise: Saúde, Cuidado e Morte; Mobilidade e Circulação; Gênero

 

Os resultados da pesquisa realizada pela PARI-c visam contribuir com conhecimentos plurais para ampliar o controle da doença e mitigar impactos prejudiciais mais amplos da resposta à pandemia através da mobilização de articulações com agências de saúde que possam auxiliar no processo de identificação e implementação de estratégias efetivas a partir dos conhecimentos dos povos indígenas, formas de visualização e modos de conexão e ação. 

spensy kmitta pimentel

 

O professor Spensy explica que a PARI-c é o instrumento de publicação da pesquisa Respostas Indígenas à COVID-19 no Brasil: arranjos sociais e saúde global. "Essa pesquisa surge a partir da articulação de uma ampla rede de etnólogos que trabalham com variadas populações indígenas por todo o Brasil, conectados com pesquisadores indígenas e mestres dos saberes tradicionais indígenas. Somos quase 100 pesquisadores envolvidos, entre indígenas e não indígenas. Em vários casos, antes mesmo do início das nossas atividades, esses pesquisadores já estavam envolvidos em iniciativas comuns, como é o caso dos boletins de monitoramento da Covid-19 na região Nordeste, que reuniu quase 30 diferentes entidades, entre grupos acadêmicos, indigenistas e do movimento indígena", detalha o pesquisador. 

 

A pandemia motivou a organização da rede para a colaboração remota na maioria das atividades. O professor Spensy avalia a realização da pesquisa à distância em meio à pandemia como um formato inovador: “Aproveitamos as potencialidades surgidas pela ampla difusão já existente das novas tecnologias de comunicação: internet e smartphones. Em nossa região, a estratégia teve pleno sucesso, trazendo um importante suporte aos pesquisadores indígenas e não indígenas num momento tão tenso para o país”. Como ele conta, dada a precariedade de acesso à internet em diversas regiões do Brasil, realizar a pesquisa de forma totalmente online foi uma "vitória".


amanda hortaConcordando com o colega sobre o caráter inédito do estudo, Amanda avalia a experiência de realização de pesquisa de maneira remota como positiva: “Na região Brasil Central e Amazônia Meridional (BCAM), esta configuração colocou em contato, no universo virtual, pesquisadores indígenas de regiões diferentes, que demonstravam enorme interesse pelas questões que contextos distintos suscitavam aos colegas. O que advinha daí não era um intercâmbio cultural ou troca de experiências, mas uma produção conjunta do programa de pesquisa, atento às confluências e às diferenças, pois os pesquisadores saíam das reuniões dizendo que iriam investigar tais questões em seus próprios contextos presencialmente, perguntando a seus pais, avós, grandes conhecedores de seu povo”.

 

Olhar atento para as aldeias no mundo pandêmico

Cada equipe desenvolve seus estudos de caso a partir das informações colhidas nas aldeias. Assim, a equipe Nordeste trabalha com os temas Saberes tradicionais femininos e saúde indígena em tempo de pandemia da COVID-19 e Movimentos indígenas, pandemia e controle social: estratégias de mobilização e enfrentamento da COVID-19 pelos povos indígenas em Pernambuco e ParaíbaCom os estudos ainda em processo de finalização, Spensy destaca preliminarmente que as pesquisas buscaram acumular dados e reflexões que possam futuramente contribuir com o aperfeiçoamento das políticas públicas de saúde direcionadas aos povos indígenas. “Nesse sentido, estamos propondo uma reflexão sobre a pesquisa como instrumento auxiliar do controle social na saúde indígena. Também oferecemos um estudo que destaca as dificuldades específicas vividas pelas mulheres indígenas no período, bem como reflexões sobre como os saberes tradicionais femininos precisam ganhar mais espaço no Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas”.


Já a equipe Brasil Central e Amazônia Meridional, coordenada pela antropóloga Amanda Horta, focaliza os temas de estudo Mulheres, comida e cuidado: Respostas indígenas à COVID-19 e Luta, vida e pandemia na terra Apinajé. A pesquisadora observa que “em ambos os estudos de caso se conclui que as respostas à Covid-19 estão em continuidade com estratégias de luta e resistência que marcam a vida dos povos indígenas nos tempos recentes, com constantes ataques aos seus direitos, seus territórios, sua existência de modo geral”.

A presença das mulheres indígenas na pesquisa tenta refletir o papel essencial que elas desempenham na vida na aldeia, do carinho, do cuidado e da energia. "O projeto busca dar um destaque especial à problemática vivida pelas mulheres indígenas durante a pandemia. Esse foi um dos eixos principais do projeto original. Na Bahia, por sinal, é o mote de um de nossos estudos de caso. Na Região Nordeste, a maior parte dos pesquisadores envolvidos são mulheres, e o mesmo acontece nas demais regiões – cerca de 2/3 são mulheres. Conseguimos atingir quase 40% de pesquisadores indígenas em nosso processo, sem falar em dezenas de colaboradores indígenas que dialogaram com os pesquisadores indígenas em suas comunidades", relata Spensy. Ele afirma que o contato constante de pesquisadores da UFSB com diversos mestres dos saberes tradicionais - como é o caso da pajé Japira Pataxó, que colabora com a PARI-c - e a participação de pesquisadoras no grupo de pesquisas que ele coordena (Comunidades e(m) Autonomia no Sul da Bahia) indicam também a integração da universidade com as comunidades do entorno e em especial com as comunidades tradicionais. "São presenças que demonstram o quanto a UFSB tem 'lançado ramas' pelo território, por assim dizer, criando conexões com pesquisadores ou mestres das comunidades que não necessariamente são alunos ou professores regulares no âmbito da instituição".

 

Como contribuição acadêmica, Spensy entende que a PARI-c traz novas possibilidades nas formas de fazer pesquisa. “Pudemos apoiar algumas produções de cineastas indígenas que demonstraram haver uma capacidade cada vez maior de produção autônoma, nas próprias comunidades – inclusive na edição e finalização dos filmes. Também estamos demonstrando, na prática, cada vez mais, algo que já vem sendo amplamente discutido nos círculos acadêmicos: que a pesquisa etnológica/antropológica envolve, hoje, uma necessidade de parceria plena entre pesquisadores indígenas e não indígenas”, opina o professor da UFSB.

Por sua vez, a  pesquisadora Amanda aponta que a principal contribuição da Pari-c é o foco nas respostas locais, e o protagonismo dos pesquisadores indígenas na produção acadêmica. “Esta configuração mista (em parte remota, em parte presencial, em parte pesquisadores indígenas, em parte não indígenas) tem um efeito simetrizante, que inflete a agenda da pesquisa. Assim, não apenas pesquisamos respostas locais, mas fomos capazes de registrar reflexões indígenas sobre as respostas de suas comunidades, abrindo novos horizontes etnográficos, teóricos e comparativos”, avalia a pesquisadora.

 

As condições locais para a realização da pesquisa variaram bastante, uma vez que o acesso à Internet era um requisito fundamental para a pesquisa com recursos online, avalia o professor Spensy: "Nesse sentido, houve regiões onde existiu mais facilidade, e outras – especialmente na Amazônia – onde o trabalho foi bastante difícil. No Nordeste, por exemplo, onde o acesso à comunicação nas aldeias é comparativamente melhor que em outras regiões, foi possível até mesmo apoiarmos uma série de filmes etnográficos realizados por cineastas indígenas em suas próprias comunidades. Foi uma surpresa bastante positiva, em se tratando de uma pesquisa rápida, emergencial. Entendo que isso é o fruto de anos de investimento das mais diversas entidades na capacitação e apoio aos cineastas indígenas, e o resultado que eles estão conseguindo apresentar, num momento tão crítico, é muito rico".

 

Documentário premiado

capa vídeo plantando águaAlém das notas e estudos de caso, a PARI-c lançou recentemente o seu canal próprio no Youtube e publicou ali documentários realizados por cineastas indígenas. Entre os filmes inaugurais está o curta-documentário da diretora Graciela Guarani, Plantando Água, produzido pela equipe Nordeste da PARI-c. Plantando Água venceu a Mostra Audiovisual da 4ª RAS (IV Reunião de Antropologia da Saúde - Eventos Críticos e Cotidianos de Saúde), recebendo o prêmio de melhor filme no dia 24 de setembro.

Também fazem parte da primeira leva de filmes da PARI-c o documentário Saúde da Terra - Visões Pataxó Hãhãhãe sobre a pandemia de Covid-19. Realizado pela documentarista indígena Olinda Muniz Wanderley, o filme trata da visão das mulheres pataxó hã-hã-hãe da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu (Bahia) sobre os impactos da pandemia de Covid-19 em sua comunidade, e os reflexos sobre sua forma de vida, assim como em sua relação com a terra.

Todo material produzido pela PARI-c pode ser acessado no site e as publicações podem ser acompanhadas pelo perfil da plataforma no Twitter. 

Com informações e texto de Cristiano Navarro (ASCOM PARI-c)  

 


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