“No serviço público, aprendi que posso fazer a diferença”
Entrevista com o servidor Pedro Gonçalves Dantas, psicólogo no Campus Paulo Freire
[P] Como você definiria a função social do(a) servidor(a) público(a)?
[R] Para responder, é importante parar um pouco para pensar no significado dessas duas palavras juntas, “servidor” e “público”. Corriqueiramente, as utilizamos para nos referir a um certo tipo de profissão ou trabalho, mas elas nos dizem muito mais do que isso. Ser servidor(a) é muito mais do que apenas trabalhar, trata-se de servir, servir ao público, ao coletivo, ao que, mesmo sendo meu, não deixa de ser seu. É nesse sentido penso que a função social dos(as) servidores(as) públicos(as) brasileiros(as): justamente promover, através de seus serviços, o Estado Democrático de Direito, conforme preconizado por nossa Constituição.
[P] Na sua opinião, quais as principais contribuições do(a) servidor(a) público(a) à sociedade?
[R] A meu ver, uma das principais contribuições dos(as) servidores(as) públicos(as) à sociedade deriva da possibilidade de ofertar um serviço pautado não pela lógica de mercado, mas sim pelo interesse público. Ao se distanciar da lógica predatória de mercado, pela qual a “sobrevivência do mais apto” tem como corolário a subordinação dos “menos aptos”, o serviço público tem a oportunidade ímpar de promover direitos de forma equânime, considerando as necessidades singulares de desfavorecidos(as), mesmo quando isso não representa vantagem pessoal e/ou financeira. Isso se materializa nos princípios da Administração Pública como, por exemplo, os princípios da Supremacia do Interesse Público, da Impessoalidade e da Legalidade, que solidificam o compromisso do serviço público com a sociedade como um todo.
[P] Você concorda que há uma contradição na percepção das pessoas sobre o funcionalismo público, ora almejado, devido à estabilidade, ora duramente criticado?
[R] As pessoas estão sempre em busca de melhores condições de vida e, no nosso país, o serviço público oferece, em muitos casos, melhores ambientes de trabalho, salários e planos de carreira, não apenas a “estabilidade”. Essa assimetria entre o serviço público e o privado mobiliza, sim, sentimentos complexos como desejar ser servidor público e odiar a existência dessa desigualdade. Soma-se a isso todo o interesse que o setor privado tem de crescer e obter lucro em áreas que, muitas vezes, são monopólios ou hegemonias do setor público como saúde, educação superior, correios, produção de energia. O interesse de quem detém o capital financeiro certamente cumpre um papel, tensionando a sociedade, a fim de fragilizar a imagem do serviço público. Afinal, se o serviço público não vai bem, isso é, certamente, ruim para a coletividade, mas é bom para quem se coloca como alternativa.
[P] É visível que há um discurso forte de desqualificação do servidor público. Esse discurso vende a ideia de que o funcionalismo público seria o grande problema da Previdência no Brasil. Ainda de acordo com essa lógica, o funcionalismo público seria uma “fábrica de marajás”. Qual a sua opinião sobre isso?
[R] Como vinha dizendo, existem interesses, nada públicos, de que o serviço público não funcione bem. Para que tais interesses prevaleçam, uma estratégia muito antiga é, justamente, construir narrativas que colocam todos os males do Estado nas costas dos serviços e servidores(as) públicos(as). Collor foi eleito com esse discurso com o resultado nós sabemos. A mesma estratégia foi utilizada para a privatização da Vale, o que hoje também vemos com a Petrobrás, Eletrobrás, Bancos, etc. Sobre a Vale, em específico, recentemente rememorei o desastre do rompimento da Barragem de Mariana, o maior desastre ambiental do Brasil de que tive conhecimento, para mim, um exemplo muito claro da diferença entre o que é interesse público e interesse de mercado. Não estou dizendo que o desastre não ocorreria se a Vale não fosse privatizada, não sou perito no assunto nem investiguei o caso com profundidade mas, certamente, quando uma empresa privada vivencia esse tipo de situação, o foco dela será reduzir ao máximo seus prejuízos. Já no contexto da Administração Pública, a preocupação jamais será apenas com a redução dos prejuízos da empresa em si, mas com a redução de danos para a sociedade e o meio ambiente como um todo.
[P] Na conjuntura atual, que perspectivas você enxerga para os(as) servidores(as) públicos(as)?
[R] Já há alguns anos, o Brasil passa por um momento de ascensão do pensamento liberal no que diz respeito a sua política econômica. Isso significa que servidores(as) e serviços públicos tendem a ser vistos como menos importantes. Os detentores de grandes fortunas que veem na crise dos serviços oportunidades de lucro tendem a ampliar suas críticas e narrativas de desqualificação. Nesse cenário, servidores(as) e serviços públicos estão diante de apenas duas possibilidades: resistir a essas críticas pelo embate político e pela demonstração de eficiência e eficácia ou vivenciar um período de intensificação da deterioração que já se iniciou. No âmbito do embate político, a principal derrota que o serviço público sofreu recentemente foi a aprovação da EC 95, que congelou por pelo menos 10 anos os limites para despesas primárias o que, certamente, dificultará ou mesmo impedirá a manutenção e ou ampliação da qualidade dos serviços. O desafio/armadilha que está posto é que os serviços e servidores(as) públicos(as) consigam fazer mais do que já fazem com proporcionalmente menos recursos do que os atualmente disponíveis.
[P] Como tem sido a sua experiência como servidor público?
[R] Como pode ser a experiência de um trabalhador que tem a oportunidade de olhar para seus colegas de trabalho e os ver como companheiros e não como ameaças? Trabalhar naquilo em que se acredita e que, além de garantir o seu salário, possibilita interferir positivamente na vida de centenas de pessoas? A oportunidade que o serviço público me deu de vivenciar essa forma de me relacionar com o mundo do trabalho é de valor incalculável. Ao trabalhar no serviço público, aprendi que, apesar das enormes dificuldades cotidianas, ora por escassez de recursos, ora por discordar de decisões administrativas, posso fazer a diferença e trabalhar em prol da sociedade como um todo. Trabalhar em instituições de ensino, especialmente com as características da UFRB, onde já trabalhei, e da UFSB, é reafirmar cotidianamente o compromisso com a sociedade, especialmente no que concerne ao processo de reparação da histórica exclusão de coletivos e territórios privados, dentre diversas coisas, de oportunidades de ingresso no ensino superior público no interior da Bahia.
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