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Software e modelo matemático aceleram pesquisa de novos medicamentos para tratar a malária

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Segunda, 11 de Novembro de 2024, 15h33 | Última atualização em Segunda, 11 de Novembro de 2024, 15h42 | Acessos: 1118

2048px Malaria falciparum ring formsA verificação da capacidade de compostos químicos para tratar enfermidades é um dos aspectos testados para a validação e autorização de medicamentos. É uma etapa essencial para certificar que um princípio ativo em uma determinada formulação cause o efeito desejado. Em geral, usa-se uma progressão de modelos para esses testes, desde culturas em recipientes (in vitro) a modelos animais, as cobaias, para avaliar a segurança e eficácia dos compostos antes de serem testados em humanos. Uma melhoria nesse processo está descrita no artigo Application of Machine Learning in the Development of Fourth Degree Quantitative Structure−Activity Relationship Model for Triclosan Analogs Tested against Plasmodium falciparum 3D7, publicado na revista ACS Omega e assinado pela equipe composta pelo biomédico Railton Marques de Souza Guimarães (São Lucas), o bioinformata Ivo Vieira (UNIR/Fiocruz), o matemático Fabrício Berton Zanchi (CFCAm/UFSB), o químico Rafael Caceres (UFCSPA) e o físico Fernando Berton Zanchi (Fiocruz). O texto relata o desenvolvimento de um modelo matemático para realizar testes de um composto quimico no combate a uma cepa do plasmódio, parasita causador da malária. A investigação contribui em diferentes aspectos da testagem e produção de medicamentos, como os custos de negócio, tempo de desenvolvimento e teste de formulações e compostos químicos e as questões de ética em pesquisa com animais.

O professor Fabrício Berton Zanchi, que atualmente é o decano do Centro de Formação em Ciências Ambientais, explica que o trabalho envolveu o uso de técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) para desenvolver um modelo QSAR (Quantitative Structure-Activity Relationship, ou relação quantitativa de estrutura-atividade) de 4º grau. O modelo consegue prever a eficácia de compostos químicos análogos ao triclosan contra a cepa 3D7 do parasita Plasmodium falciparum, causador da malária. "Esse estudo representa um divisor de águas na luta contra este protozoário, ao combinar modelagem matemática com inteligência artificial para aprofundar a compreensão de como diferentes variações na estrutura química do triclosan, ao serem encontradas pelo modelo, podem aumentar sua eficácia no combate ao parasita, contribuindo para o desenvolvimento de tratamentos mais eficientes e com menos tempo para formulação de novos medicamentos".

autores na ordem do artigoConforme o professor Fabrício, apesar da malária ser uma doença tratável e curável, a resistência aos remédios antimaláricos já surge em diversos pontos do globo. Isso faz com que a doença siga na lista dos grandes problemas de saúde pública nas regiões tropicais e subtropicais, com casos ultrapassando 200 milhões e causando mais de 600 mil mortes anualmente, principalmente na África, devido à alta transmissão do Plasmodium falciparum. Nas Américas, Brasil, Venezuela e Colômbia concentraram 80% dos casos, sendo 99,9% das infecções no Brasil registradas na região amazônica. A doença é transmitida pelo mosquito Anopheles, e três espécies do protozoário que circulam no Brasil podem causar malária humana: Plasmodium falciparum, P. vivax e P. malariae.

 

Ganho de tempo, dinheiro e precisão 

O estudo teve como objetivo calcular uma espécie de taxa que representa o nível de bloqueio do parasita (pEC50). Para isto, foi preciso usar a estrutura bidimensional de todas as 108 moléculas (derivados de triclosan) já testadas por outros grupos de pesquisa durante os últimos 30 anos. Estas estruturas foram recuperadas do repositório PubChem e submetida ao aplicativo Mold2, que calculou 777 descritores para cada molécula e devolveu os dados em uma planilha complexa. Nesse processo, explica Fernando Berton Zanchi, um dos autores e líder da pesquisa, o desenvolvimento se deu por meio de um programa em linguagem Python utilizando a biblioteca de aprendizado de máquina “Scikit-learn” para selecionar os melhores descritores. O programa divide aleatoriamente o conjunto total de moléculas em dois grupos a cada teste: um para treinamento e outro para teste na proporção de 70:30, neste caso, ficando com 75 compostos de treinamento e 33 de teste. Então, basicamente a cada interação, o programa combina os descritores em grupos de três, executa o treinamento preditivo de máquina e calcula o coeficiente de determinação (R²) entre o conjunto de dados pEC50 calculado e experimental.
 
Quando a combinação dos descritores gera um modelo com coeficiente maior que 80% de acertos, então é selecionado para novas avaliações. Aquele modelo que passar por todas as avaliações com melhores índices será o escolhido. Assim, o programa simula o comportamento biológico das moléculas ao correlacionar suas características estruturais com atividades específicas contra o protozoário estudado, gerando assim, um indicador-chave potencial de uma substância contra o parasita.

Fernando Berton Zanchi, um dos autores do estudo, pontua que, para facilitar o uso desse modelo, foi desenvolvido um sistema que compila o modelo escolhido para cálculo automatizado dos valores de pEC50 – o PlasmoQSAR (https://www.qsar.labioquim.fiocruz.br/). Com ele, os pesquisadores podem prever a capacidade de uma molécula bloquear o patógeno causador da malária antes mesmo de testá-lo in vitro. "Este estudo não somente trouxe resultados completos e promissores, como disponibiliza forma inovadora, aberta e facilmente aplicável por pesquisadores, indústrias farmacêuticas e grupos de pesquisa que queiram desenvolver novos modelos para outras moléculas ou outros problemas. Com esta abordagem, é possível desenvolver novos arranjos matemáticos, adaptando-os para estudos com outras doenças, outras moléculas, estudos com interações em ecossistemas e clima, bem como aplicações variadas de causa e efeito, resultando em processos mais assertivos", destaca o decano do CFCAm, Fabrício Berton Zanchi. 

A pesquisa realizada emprega um dos métodos mais avançados para a prospecção de novos remédios. Conforme relata Fernando Zanchi, o uso do PlasmoQSAR e do modelo matemático desenvolvido representa um avanço significativo em termos de economia de tempo e recursos na pesquisa de novos fármacos. "Com esses métodos, é possível reduzir substancialmente a duração da fase inicial de prospecção, que normalmente leva de um a dois anos, para apenas alguns dias. Essa agilidade permite direcionar rapidamente os esforços para compostos com maior potencial terapêutico, otimizando recursos financeiros e acelerando o desenvolvimento de novos tratamentos", explica o pesquisador.
 
O desenvolvimento de modelos matemáticos  para prospecção de novos medicamentos é amplamente replicado para estudar tratamentos para outras enfermidades, como doenças infecciosas, câncer e mesmo para a malária. A contribuição do estudo descrito no artigo é a expansão da base de dados de treino e teste e o aumento significativo da precisão dos resultados para malária. O professor Fabrício explica que em geral, o setor farmacêutico não costuma publicar os modelos que emprega, especialmente em relação a doenças como o câncer, pois as empresas os utilizam internamente para prospecção de novas moléculas e validação de propostas terapêuticas: "Temos notícias que há modelos QSAR voltados para câncer, amplamente utilizados pelas principais farmacêuticas do mundo, mas não há acesso público a estes modelos, o que os tornam desconhecidos. E caso este modelos venham a ser descobertos e comercializados, podem custar milhares de dólares".

 

Desafios da pesquisa no Brasil

capa artigoOs resultados do estudo apontam para outro aspecto, o das dificuldades para realizar ciência de ponta no Brasil, afirma o professor Fabrício Zanchi. "As limitações financeiras, a falta de apoio institucional adequado e a luta diária contra o descrédito mal-intencionado direcionado às Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão geram uma escassez de recursos que impacta diretamente o avanço das pesquisas e desenvolvimento do país. Muitas vezes, o progresso científico não depende apenas da expertise dos pesquisadores, mas também de um esforço coletivo para minimamente competir com universidades e instituições que possuem grandes financiamentos. O apoio do poder público e da sociedade, valorizando e financiando a ciência, é essencial para promover um ambiente favorável ao desenvolvimento científico. No entanto, mesmo diante dessas dificuldades, a ciência do “interior” brasileiro se mantém resiliente e comprometida, produzindo estudos de grande impacto para a sociedade", ressalta.

Um dos exemplos da persistência no cenário científico nacional, o estudo colaborativo reuniu pesquisadores especializados em diversas áreas, como a Biomedicina, Matemática, Física, Química e Ciência da Informação, agregando cientistas da Fiocruz, UFSB e UFCSPA, combinando expertises e recursos. "O PlasmoQSAR é um exemplo claro de como a ciência brasileira, mesmo enfrentando limitações de recursos, pode alcançar avanços notáveis e contribuir de forma significativa para a saúde global. Com mais investimento, poderíamos ampliar ainda mais o alcance e o impacto dessas pesquisas", destaca o professor Fabrício Zanchi.

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