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Livro paradidático desenvolvido no PPGER/UFSB sugere nova perspectiva para ensino da História da África

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quinta, 23 de Dezembro de 2021, 14h05 | Última atualização em Quinta, 23 de Dezembro de 2021, 15h02 | Acessos: 3727

apresentação 01Base da atividade de ensino e indicador das escolhas teóricas feitas nas redes pública e particular de educação, o livro didático de uma disciplina é aspecto essencial a se estudar para entender o contexto e o teor do que se está apresentando em sala de aula. A situação atual do material didático empregado no ensino da componente curricular de História da África é o tema da dissertação (Re)Aprendendo a História da África: Análise do Processo de Imperialismo e Descolonização Africana no livro didático de História, defendida em 4 de novembro de 2021 pelo professor de História e recém-mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (PPGER/UFSB) Serinaldo Oliveira Araújo, o professor Naldo, como é conhecido na sua comunidade escolar. A pesquisa foi orientada pela professora Maria do Carmo Rebouças da Cruz Ferreira dos Santos (PPGER) e contou com a banca examinadora composta pelas professoras Idalina Freitas (UNILAB), Letícia Maria de Sousa Pereira (UFBA) e pelo professor Richard Santos (UFSB).

O estudo realizado tem caráter qualitativo e natureza exploratória, combinando os procedimentos de revisão bibliográfica, análise de livro didático e entrevista semiestruturada, com o foco de investigar como o processo de imperialismo e descolonização portuguesa na África é apresentado no livro didático de História, do último ano do ensino fundamental, adotado pela Escola Municipal Governador Paulo Souto, do município de Porto Seguro, para o triênio de 2017- 2019. O objetivo era analisar se a forma como essa temática é abordada atende aos objetivos da Lei 10.639/2003. O livro analisado é do autor Alfredo Boulos Júnior, da editora FTD e faz parte da coleção História, Sociedade e Cidadania. O livro é destinado ao 9º ano, do ensino fundamental do componente curricular de História e foi adotado pela Escola Governador Paulo Souto por meio do Guia Nacional do LD, 2017, do Plano Nacional do Livro Didático, PNLD. Como parte da conclusão do mestrado profissional em Ensino e Relações Étnico-raciais, Naldo desenvolveu um produto para intervir no ambiente escolar pesquisado, o livro paradidático Imperialismo e Descolonização: Amílcar Cabral e a independência de Guiné-Bissau.

 

O livro didático e seus efeitos na sala de aula

produto livro serinaldo 01O professor Naldo afirma que a vivência na sala de aula o motivou a focalizar os livros didáticos no seu mestrado. "Ao iniciar minha atuação como professor de História, logo após concluir a graduação na Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, em 2016, passei a notar a partir das práticas de colegas professores(as), do currículo escolar e dos livros didáticos, a condição de silenciamento e violência que os negros(as) sofrem na instituição escolar. Isso ficou mais evidente nas atividades desenvolvidas no novembro negro, que sexualizava e expunha os corpos negros, e relegavam a cultura e crenças dos povos africanos ao campo do folclore", explica. Como os livros didáticos se apresentam como principal, quando não o único recurso didático acessível para abordagem e aprofundamento dos conteúdos programáticos, o pesquisador conta que passou a ver o livro como uma arena de disputa de narrativas e interdições: "isso me encorajou a pesquisar o tema proposto e elaborar o material". 

Para entender como o livro didático de História adotado influi nas aulas e para desenvolver o produto destinado a intervir na realidade pesquisa, o professor Naldo articulou revisão bibliográfica, análise do livro didático, entrevista semiestruturada com o professor de História da unidade de ensino e elaboração de um material paradidático com vistas a auxiliar os(as) professores(as) em conteúdos que o livro não mobiliza ou aprofunda.  "A revisão bibliográfica visou permitir o mapeamento das produções acadêmicas que abordam a temática História da África e africanos no Livro Didático (LD), e responder quais ausências, avanços, contextos e em quais condições essas pesquisas têm sido elaboradas. A análise do livro didático proporcionou identificar qual a perspectiva predominante (eurocêntrica ou afro-brasileira). A entrevista semiestruturada realizada com o professor de História dos anos finais do ensino fundamental, com o auxílio de um roteiro de interação, porém não aplicado rigidamente, tratou da escolha, desafios e possibilidades do uso do LD no ensino de História da África", detalha Naldo.

A pesquisa levou à elaboração do material paradidático. Conforme o pesquisador e autor, o livro apresenta aspectos do processo de imperialismo e descolonização em Guiné-Bissau, um dos mais importantes movimentos de luta e independência da colonização portuguesa na África, priorizando uma bibliografia de intelectuais que pesquisam o continente. Para o professor Naldo, ainda que o Brasil seja um país diverso e com garantias como a lei 10.639/2003 e a 11.645/2008, que respectivamente alteraram a lei 9.394/1996, estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional e incluíram no currículo oficial da rede de ensino a história e cultura afro-brasileira e a cultura e história indígena, persistem nas escolas as dificuldades em proporcionar uma educação para as relações étnico-raciais. "Esta pesquisa importa, pois propõe o ensino da História da África e de africanos(as) longe do olhar estrangeiro, eurocentrado. Se constitui como uma estratégia de ensino das relações étnico-raciais, podendo ser útil ao combate do racismo e da lógica colonial", diz o docente.

 

Avanços e permanências

 

Como resultado da pesquisa, o professor concluiu que houve um aumento das pesquisas sobre o livro didático e o ensino das relações étnico-raciais, a maior parte concentradas na região sul e sudeste do país, distribuídas em instituições públicas e privadas. "Contudo, pesquisadores(as) consideram os resultados de seus estudos ainda incipientes, comparada a importância da temática. A análise da linguagem, da sequência didática, bibliografia, ilustrações e aspectos físicos do livro adotado pela Escola Municipal Governador Paulo Souto possibilitou verificar avanços e permanências, havendo tanto a perspectiva afrocentrada quanto vestígios eurocêntricos", avalia Naldo.

Os resultados da pesquisa e o material paradidático elaborado devem auxiliar a escola no aprofundamento do tema "imperialismo e descolonização na África", apresentando-os de forma mais detalhada, abordando o protagonismo da Guiné-Bissau, liderada por Amílcar Cabral na luta contra o colonialismo português. "O material se diferencia do LD em diagramação, linguagem, e ilustração, sendo menor e bem colorido. A ideia é que este material, elaborado para o docente, o ajude a cativar o aluno(a), levando-o(a) a aprofundar-se no conteúdo, tendo acesso a contextualizações, curiosidades e conceitos, que o LD não mobiliza ou proporciona", conta Serinaldo. Com uma bibliografia sólida e comprometida com a história do continente africano, o objetivo é apresentar os principais aspectos do processo de imperialismo e descolonização a partir do ponto de vista africano. "Neste sentido, quer-se garantir que docentes e discentes se aprofundem nas dinâmicas de resistência, negociações e independência à colonização portuguesa em África, propondo uma narrativa livre de estereótipos, apresentando uma sociedade organizada e ratificando (e retificando) que a África tem uma história e que não se resume ao tráfico de pessoas escravizadas e à pobreza", defende Serinaldo.

A unidade escolar que fez parte da pesquisa foi a Escola Municipal Governador Paulo Souto. Uma escola de grande porte, localizada no complexo de bairros do baianão, que atende crianças, jovens e adultos ofertando ensino fundamental e EJA. A  expectativa do professor Naldo é de que o material e o resultado da pesquisa, a ser entregue em versão física e impressa no início das atividades escolares deste próximo ano letivo, possa proporcionar subsídios para os professores auxiliando no ensino da história do continente e diáspora, fortalecendo iniciativas que promovam o ensino das relações étnico-raciais: "Apesar de ainda não termos previsão, os esforços agora serão para que o material complementar desenvolvido possa se estender para além da Escola Municipal Governador Paulo Souto, possibilitando a outros(as) estudantes e docentes, da rede municipal de ensino e demais interessados, o aprofundamento na história do continente africano, que encontra no Brasil um ponto convergente".

 

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