Nota pública à comunidade
A Reitoria da Universidade Federal do Sul da Bahia vem a público manifestar-se sobre o processo de construção da Política de Ações Afirmativas em curso nesta Universidade.
A Reitoria reconhece a luta do segmento discente em sua militância legítima, que resultou na garantia da reserva de 75% das vagas para o primeiro e o segundo ciclos, por meio da Resolução nº 07/2017. A gestão entende a importância da Política de Ações Afirmativas e do Sistema de Cotas, principalmente no contexto territorial onde se localizam os Campi da UFSB, cujos municípios têm população majoritariamente negra, parda ou indígena, historicamente alijada das políticas públicas e dos espaços de poder.
A Universidade, como instituição pública, é um lugar de diversidade, e, portanto, deve se responsabilizar pela garantia de acesso e permanência de sujeitos excluídos, contribuindo para a superação de distorções históricas e do racismo estrutural na sociedade brasileira. Esta gestão tem se esforçado para assegurar a implantação e o aprimoramento da Política Institucional de Ações Afirmativas de acordo com as instruções legais em vigor e também conforme orientações de especialistas, tentando aprender com as práticas internas e com experiências por que já passaram outras instituições federais de ensino superior brasileiras. Assim como outros processos que dizem respeito à organização da universidade, a Política de Ações Afirmativas e o Sistema de Cotas constituem um caminho de constante aprendizado e reexame.
Sabemos que, infelizmente, várias políticas são passíveis de tentativas de ocupação indevida, o que não deve inviabilizar o benefício que podem levar a seu público prioritário, como pressionam muitos grupos opositores a tais políticas, que se aproveitam de denúncias para desabonar movimentos históricos e autênticos de luta. O que precisamos fazer é analisar, dialogar, redefinir e reajustar, até que a política se torne satisfatória para seu público. Nesse sentido, a UFSB assume seu papel e tem iniciado a capacitação de servidores(as) e estudantes para que se apropriem dos instrumentos legais que regulam processos similares e tenham condições de amadurecer a discussão no próprio ambiente interno, visto que ainda não há regulação que oriente especificamente ações como a instauração das bancas de verificação no acesso a vagas nos cursos de ensino superior, por exemplo.
A autodeclaração segue recomendações do Estatuto da Igualdade Racial, prática também adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o Censo. No entanto, além da autodeclaração, podem ser utilizados critérios auxiliares de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana, a igualdade de tratamento e garantidos o contraditório e a ampla defesa. Isso é o que informam a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41, julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sobre ações afirmativas em universidades e ações afirmativas nos concursos públicos, respectivamente.
Os procedimentos de heteroidentificação como critério para seleções em concursos públicos ainda não são consenso entre os legisladores. Alguns métodos já foram testados por instituições de ensino superior brasileiras, tendo sido bem avaliados em alguns casos e criticados em outros. Dentre eles, estão o uso de fotografias, de relatos de vida e as bancas de aferição ou conferência. De qualquer sorte, entendemos que a instauração de uma Comissão Interna de Heteroidentificação tem todas as qualidades necessárias para conduzir o processo de forma técnica, cuidadosa e responsável.
Denúncias sobre ocupações indevidas de vagas reservadas ao sistema de cotas nas universidades têm sido amplamente divulgadas pela mídia. Recentemente, diversos veículos publicaram informações afirmando que 21 das 63 universidades federais têm estudantes investigados(as) por fraudes nas cotas. Não gostaríamos de fazer parte desta estatística, mas, infelizmente, não há, ainda, instrumentos perfeitos e sem brechas. Desse modo, a partir de experiências de outras instituições e da nossa própria, a UFSB busca a melhor maneira de conduzir seu processo interno, que só avançou depois dos questionamentos e denúncias encaminhadas à Ouvidoria sobre o Edital 36/2017, referente à reserva de vagas previstas na Lei de Cotas.
A fim de caminhar no processo de elaboração de uma política que considere tanto os aspectos jurídicos quanto os direitos e desejos das populações negra, parda e indígena do Sul da Bahia e de todos nós, cidadãos e cidadãs comprometidos(as) com a reparação histórica e a justiça social, a UFSB procedeu conforme as instruções legais disponíveis. Para isso, seguiu o trâmite comum, que prevê a formalização do processo após as denúncias, seguida da instauração de uma Comissão de Sindicância e da apreciação do resumo do relatório resultado da sindicância pelo órgão máximo da Universidade, o Conselho Superior Universitário (Consuni). Após isso, foram feitos encaminhamentos para providências. Vale registrar que processos dessa natureza devem ocorrer em sigilo, por determinação da Lei 8.112/1990.
Observou-se que todas as denúncias protocoladas faziam referência a situações semelhantes de uso indevido das vagas destinadas às Cotas para Medicina, único curso de segundo ciclo que teve mais candidatos(as) do que vagas. Por isso, elas foram apensadas num só processo, que levou à composição da referida Comissão de Sindicância Investigativa (CSI). Após todo o trâmite legal interno, o Consuni deliberou pela criação de uma Comissão Especial, que emitirá parecer final sobre os indícios levantados pela CSI.
O Consuni decidiu que a Comissão de Políticas Afirmativas (CPAf), órgão consultivo e deliberativo no âmbito da Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social (PROSIS) da UFSB, teria a incumbência de sugerir nomes para a constituição da Comissão Especial, composta por cinco membros titulares e cinco suplentes, a fim de dar prosseguimento aos trabalhos iniciados pela CSI. O trabalho da CPAf também envolve a elaboração da minuta de uma Resolução, com o objetivo de criar um instrumento permanente de acompanhamento e de heteroidentificação dos processos seletivos a serem realizados e/ou das denúncias acerca de processos anteriores protocoladas na Universidade.
Paralelamente, foi realizado, pela PROSIS, um minicurso aberto a servidores(as) e discentes interessados(as) pela temática. Para o futuro próximo, outras ações estão sendo planejadas, com envolvimento de pessoas, grupos e entidades da instituição e do território.
Ainda no que diz respeito a tentativas de ocupação indevida de vagas, caso comprovadas após a conclusão dos processos internos, a Reitoria confirma o que já foi divulgado em outras ocasiões: as sanções serão aplicadas em consonância com as disposições legais. Sobre casos que tramitam em instâncias externas à esfera institucional, mesmo que envolvam membros da comunidade acadêmica, a Universidade não dispõe de meios que a amparem legalmente para se pronunciar ou mesmo tomar medidas oficiais.
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