Projeto de reabilitação urbana e ambiental criado por docentes da UFSB ganha o 1º lugar em edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Brasil divulgou no dia 31 de agosto o resultado de seleção ao edital de apoio à Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS). A proposta Projeto de Reabilitação Urbana e Ambiental do Bairro Gogó da Ema em Itabuna (Bahia) foi classificada em primeiro lugar em uma lista com 17 projetos de todo o Brasil, e deve contar com R$ 250 mil para iniciar as atividades. A criação do projeto se deve à equipe do Núcleo de Estudos e Intervenções nas Cidades (NEIC) da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a submissão foi feita via Fapex, que fará a coordenação administrativa do projeto. A coordenação técnica é do professor, arquiteto e urbanista Joel Felipe (IHAC-CJA) e a equipe responsável é composta por docentes e cientistas da UFSB: Regina Oliveira, Fabiana Costa, Júlia Gouvêa, Vanner Boere, Ita Oliveira e Valerie Nicollier.
A equipe interdisciplinar do NEIC em reunião: proposta vencedora do
edital concilia formação de profissionais em ATHIS e planejamento
das intervenções no bairro Gogó da Ema (Foto por Fabiana Costa)
A iniciativa tem parceria com a Prefeitura Municipal de Itabuna, dentre outras entidades, e vai consistir, em um primeiro momento, em um curso de extensão sobre ATHIS e Direito à Cidade que vai preparar equipes para a segunda fase, que será a de desenvolvimento de projetos de obras e infraestrutura segundo os parâmetros de reabilitação urbana e ambiental do bairro. A conclusão da proposta está prevista para o final de 2023.
O coordenador técnico da proposta vencedora, professor Joel Felipe, falou em entrevista a respeito da formação e dos motivos para a iniciativa, do conceito de ATHIS e seu diferencial para o padrão de moradias populares e sobre os próximos passos do trabalho.
ACS: Por que o bairro Gogó da Ema foi o escolhido para o projeto?
Professor Joel Felipe: Durante e após as chuvas ocorridas na região no Natal de 2021 ficamos muito atentos às consequências das enchentes e alertamos na imprensa sobre a necessidade de intervenções mitigatórias e preventivas para essas áreas que sofrem periodicamente com os mesmos problemas e que deverão ser recorrentes no contexto das mudanças climáticas. Apontamos que poderia ser utilizada a Lei de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (Lei 11.888/2008) para ampliar a capacidade técnica e profissional das prefeituras da região para lidar com esse tipo de evento além de promover qualidade habitacional e urbana nas cidades.
Nos primeiros dias de janeiro, em paralelo às ações emergenciais de solidariedade que um grupo de docentes vinculados ao NEIC (Núcleo de Estudos e Intervenções nas Cidades) do IHAC/CJA realizava, solicitamos à Prefeitura de Itabuna que pudessem indicar técnicos para nos acompanhar em uma visita a algumas áreas gravemente atingidas, para que pudéssemos estudar alguma possibilidade de intervenção. Além da visita em Ferradas, Rua da Palha, Rua Beira Rio, Rua das Bananeiras e Nova Itabuna, a prefeitura nos levou ao Bairro Gogó da Ema.
O Gogó da Ema é um núcleo localizado muito próximo ao CUNI de Itabuna e que foi atingido gravemente pelas enchentes. Ali identificamos que poderíamos propor atividades integradas (arquitetônicas, urbanísticas, sociais e ambientais) para prevenção e mitigação de riscos e melhoria das condições de moradia da população local.
ACS: O que está incluso no projeto de "reabilitação urbana e ambiental"?
Professor Joel Felipe: Esse projeto, formulado por docentes da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e que recebeu a parceria de importantes e estratégicos atores, pretende, a partir de um processo de formação e capacitação em ATHIS em um Curso de Extensão universitária, desenvolver projetos, acompanhar obras, mobilizar os moradores e atuar para a mitigação e prevenção dos desastres relacionados às mudanças climáticas que atingiram drasticamente o município de Itabuna no final de 2021.
Infelizmente, esses fenômenos devem estar cada dia mais presentes na realidade de brasileiros e brasileiras. O núcleo Gogó da Ema, localizado em Itabuna (Bahia) possui 255 domicílios que abrigam cerca de 800 famílias, segundo uma entidade assistencial que atua na área, o Lar Fabiano de Cristo.
Chamamos de “reabilitação urbana e ambiental” um processo que passa pela atuação integrada e interdisciplinar em um bairro (favela, comunidade) de habitação de baixa renda com intuito de integrá-la efetivamente à cidade com ações diversificadas. No Gogó da Ema está previsto o desenvolvimento em 8 eixos:
1) melhorias habitacionais;
2) regularização urbanística e fundiária;
3) educação ambiental, coleta e gestão de resíduos sólidos;
4) segurança alimentar e agricultura urbana;
5) arte, cultura e empoderamento juvenil;
6) saúde comunitária;
7) ações afirmativas de raça/cor, gênero, orientação sexual e geracional;
8) memória, organização e mobilização comunitária.
ACS: O que diferencia um projeto na concepção de ATHIS de um projeto de moradias populares como os mais comumente realizados no Brasil?
Professor Joel Felipe: A aplicação da Lei de ATHIS nas cidades brasileiras potencializa a ação de arquitetos e engenheiros e outros profissionais da cidade (advogados, assistentes sociais, área da educação, da saúde) na solução de problemas habitacionais, urbanos e ambientais. A lei federal obriga a União, os governos estaduais e as prefeituras a oferecerem assistência técnica gratuita a famílias com renda de até 3 salários-mínimos. Ela foi um marco, mas, infelizmente, são poucos municípios que a aplicam (dos 417 municípios baianos, somente Salvador tem a lei regulamentada).
Acreditamos que dois motivos levam a isso: a) a falta de divulgação desse importante instrumento legal nos municípios, que nem chegam a pleitear os recursos federais para implementação de programas de assistência técnica; b) as graves lacunas nos processos de formação de estudantes de arquitetura, engenharia e de outras áreas que atuam nessa temática que não estão sensibilizados e preparados para esta atuação, elitizando a prática profissional.
As políticas públicas de habitação no país sempre privilegiaram a produção em larga escala e padronizada, operada pelos agentes públicos com distanciamento dos sujeitos que seriam beneficiados pela produção habitacional conduzida por empreiteiras. Enquanto isso, nos cursos de educação superior, formaram-se lacunas técnicas, sobretudo, na capacidade de diálogo com os moradores de favelas, assentamentos precários, ocupações urbanas, aldeias indígenas, assentamentos rurais, e dificuldade para reconhecer as necessidades e as precariedades a serem enfrentadas para a melhoria das condições habitacionais, como porta de entrada para a melhoria das condições de vida e conquista de outros direitos.
A ATHIS pretende romper com esse círculo não virtuoso.
ACS: Como o projeto foi preparado?
Professor Joel Felipe: Assim que tomamos conhecimento do Edital do CAU, que oferecia recursos de financiamento em ATHIS que poderiam chegar a R$250 mil por projeto para atuação em áreas atingidas por desastres naturais, reunimos os professores do NEIC (Júlia Gouvêa, Fabiana Costa, Regina Oliveira e eu) e ampliamos o convite a outros docentes do IHAC (Ita Oliveira e Vanner Boere) e ainda à técnica e doutoranda Valerie Nicollier. Com essa equipe esboçamos esse projeto que mencionamos.
Para a consecução do projeto em todas as áreas profissionais, convidamos professores da Faculdade de Arquitetura Anhanguera (Luciano Silva e Yasminie Midlej) e do IFBA-Ilhéus (Lidiane Marques) para compor o compor o corpo técnico de docentes e supervisores dos eixos.
Mas outras parcerias foram agregadas para a viabilização do projeto. A prefeitura de Itabuna é uma parceira fundamental, com o aporte de R$ 471.660,00 pactuado com a mediação da secretária de Planejamento, arquiteta Sônia Fontes, e aprovação do prefeito Augusto Castro. As atividades de formação e capacitação em ATHIS serão realizadas no Lar Fabiano de Cristo. O MESB (Movimento Sul da Bahia em Ação) também se comprometeu a apoiar o projeto. Por fim, o Ministério do Desenvolvimento Regional se disponibilizou a viabilizar recursos para as melhorias habitacionais a serem solicitadas pela prefeitura, baseadas nos estudos que apresentaremos.
ACS: Quais os próximos passos para a implantação do projeto?
Professor Joel Felipe: O cronograma de execução prevê 12 meses. Em novembro e dezembro de 2022 daremos início com a oferta de um Curso de Extensão em ATHIS e Direito à Cidade (6 semanas) que terá como estudantes um mix formado por profissionais de Itabuna (principalmente arquitetos), servidores da Prefeitura de Itabuna, estudantes bolsistas selecionados na UFSB, Anhanguera e IFBA-Ilhéus, moradores do Gogó da Ema e lideranças populares da área de habitação. Após o curso os estudantes serão alocados nesses eixos descritos e passarão a desenvolver os projetos e ações definidos durante o curso junto aos docentes mencionados, recebendo bolsa durante 1 ano para a sua execução.
Em outubro será realizado um evento de divulgação pública do projeto com a presença de representantes das instituições parceiras e comunidade.
Redes Sociais