Projeto de extensão “Mãos à obra Zabelê” estará presente na 13ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo
O projeto de extensão “Mãos à obra Zabelê” foi selecionado para participar da 13ª Bienal de Arquitetura de São Paulo, que ocorrerá de 27 de maio a 17 de julho de 2022. A Bienal é uma das mais importantes mostras de Arquitetura e Urbanismo realizadas no Brasil e a exposição nomeada “Materiais e Tempos Revisitados na Paisagem Tupinambá, 2022” aponta para o reconhecimento em nível internacional do projeto, coordenado pela professora e arquiteta Julia Gouvêa, do Centro de Tecnociência e Inovação (CFCTI), e membra do Núcleo de Estudos e Intervenções na Cidade (NEIC), campus Jorge Amado.
Incluído na Sessão Travessias, o projeto estará exposto no Centro Cultural Vergueiro, na capital paulista. A ação, contemplada por edital de bolsa estudantil da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEX), da UFSB, em 2021, foi elaborada para atender a uma demanda apresentada pelo Coletivo Levanta Zabelê, formado por uma rede de apoiadores de variadas origens, culturas e áreas do conhecimento, para a realização do projeto ecológico e arquitetônico do espaço do Universo Autônomo Intercultural dos Saberes Útero Amotara Zabelê, que consiste na primeira escola filosófica dos povos originários das Américas, idealizada por Yakuy Tupinambá, cuja primeira sede será no Território Tupinambá, em Una, no litoral sul baiano.
Antes de submeter sua proposta ao edital da PROEX, a professora Julia havia iniciado, em 2020, diálogos com a comunidade para a elaboração do projeto "mãos à obra Zabelê", em parceria com três instituições: o Coletivo Levanta Zabelê, a UFSB e a Escola da Cidade (SP); esta última por meio da Plataforma Arquitetura e Biosfera, coordenada por Luis O. Faria e Silva, que desenvolve relevante atividade junto a comunidades indígenas em diversas regiões do Brasil. A proposta do projeto incluiu a realização de assessoria técnica participativa por meio da qual foi desenvolvido o projeto arquitetônico para a implantação dos edifícios da Aldeia Zabelê e indicação de tecnologias sustentáveis para a implantação do conjunto, tudo a partir da escuta da comunidade envolvida e de métodos dialógicos, como a Escuta ativa e a Pesquisa-ação.
Entre as ações do projeto, foram realizados encontros de troca de saberes, atividades de campo para investigação do território e materiais, rodas de conversa e oficinas práticas, visando temáticas como, captação e reuso de água da chuva, tratamento de águas cinzas, técnicas de bioconstrução com materiais locais, jardins comestíveis e medicinais. A equipe do projeto realizou, com a participação da própria comunidade, o protótipo de um banheiro seco, aproveitando materiais e técnicas locais.
“Precisamos trazer as academias pra essa troca, pra esse diálogo, e pra enxergar o coletivo. Precisamos da comunhão de saberes, e não fomentar concorrências, para buscar o equilíbrio na manutenção da vida mesmo. E a questão hoje é o direito à vida, a luta pelo direito à vida”, afirma Yakuy Tupinambá. “Aqui vai ser um laboratório, um centro de pesquisa, podemos chamar de universidade, mas aqui não terá cartilha ou método pronto”, explicou ela, lembrando que um dos objetivos da parceria com a professora Julia e toda sua rede de colaboração é restituir parte da arquitetura tradicional tupinambá, de seus antepassados, que também foi devastada com os processos de colonização. “Pouco do que nos restou, dentro desses traços culturais que nos marcam muito, é essa nossa forte ligação com a ancestralidade, com as nossas raízes. A moradia é o local de repouso, nosso descanso, nossa revitalização para o outro dia, nascer para o outro dia. É um local que é intrínseco e nós perdemos isso. Então, dentro dessa proposta, pensamos no espaço do território do meu povo, esse que nós estamos lutando para ser demarcado. Então construí esse espaço que chamamos de útero, útero porque no nosso entendimento a mãe terra é o grande útero”, completa Yakuy.
Segundo a professora Julia, esta foi uma oportunidade muito importante no sentido da construção de um conhecimento “pluriversitário”, conforme conceituado por Boaventura Santos, que valoriza “os saberes ecológicos e contra hegemônicos e busca integrar os saberes tradicionais e indígenas aos acadêmicos”. Para ela, a realização desta assessoria técnica participativa representa a união entre seu percurso como arquiteta urbanista e como professora universitária no planejamento de comunidades resilientes.
A estudante bolsista Angélica Macêdo explicou que o contato com o ambiente e com os saberes dos povos indígenas e tradicionais “potencializou sua percepção a respeito da integração entre ser humano e natureza e a importância de sua preservação”. “Outro aspecto revelado é que o envolvimento de estudantes em projetos baseados em problemas concretos fortalece os processos de ensino-aprendizagem.”, complementa a professora Julia. A professora explica ainda que os desdobramentos do projeto Mãos à obra Zabelê evidenciaram o potencial da cooperação entre comunidades multiculturais, instituições e coletivos. “O retorno da comunidade envolvida tem sido muito positivo”.
A participação na bienal aponta para a importância do reconhecimento da troca de saberes na área da arquitetura, a relação entre a cultura originária, seus valores ancestrais, e a cultura ocidental, mais formal e acadêmica. Esta tem sido uma tendência mundial na arquitetura diante da urgência de se repensar formas mais equilibradas de habitar o planeta. Julia acredita que, diante das propostas e temáticas da 13ª Bienal internacional de São Paulo, da 17ª Bienal de Arquitetura de Veneza e, além do prêmio Pritzker 2022, concedido ao Arquiteto Francis Keré, está evidente a urgência da integração entre as cosmopercepções dos povos tradicionais e os saberes acadêmicos interdisciplinares. Segundo Julia, o Coletivo Travessias, co-curador nesta bienal de São Paulo, ressalta que os violentos processos de colonização estão impressos na fragmentação e na segregação dos territórios e cidades, por isso é fundamental evidenciar as vozes historicamente marginalizadas em uma mostra como esta. “Para a superação da crise climática e das desigualdades sociais e raciais é urgente repensarmos, a partir da escuta dos saberes tradicionais e indígenas, e da ação conjunta, formas mais equilibradas e socioecológicas para habitar o planeta Terra”, afirma Julia.
A exposição preparada pela equipe para esta bienal apresenta o projeto através de pinturas de têmpera sobre tela e instalação com materiais construtivos extraidos da mata, como a madeira Musserengue, o Tucum, o Cipó e terra local, que também simboliza a luta pelo Território Tupinambá. Representantes da comunidade indígena foram convidados para participar pessoalmente da Bienal, com apoio financeiro da instituição.
A seguir, a Ficha Técnica do projeto que estará disponível na Bienal:
Coordenação do Projeto Arquitetônico:
Julia Carvalho Dias de Gouvêa, Taquari Pataxó, Luis Octavio de Faria e Silva.
Equipe Técnica:
Angélica Macêdo Oliveira, Leandro Ricardo dos Santos Souza, Bacurau Tupinambá.
Projeto Expográfico e Pintura:
Sabrina Dias.
Colaboração:
Jamopoty Tupinambá (Cacique Maria Valdelice Amaral), Reinaldo Santana, Nayane Alves de Souza, Otoniel Ramos da Silva, Ingrid Beatriz Santos Souza, M'boesara Tupinambá, Bruno Ozawa , Rosa Rasuk, Clarissa Moraes Martins Morgenroth, Maria Noujaim, Pedro Praia, Marcela Arruda, Carol Caldas, Noemi R. Wajntal e todos os participantes do projeto Mãos à Obra Zabelê.
Consultoria:
Yakuy Tupinambá, PotyraTê Tupinambá, Yopanan Rebello, Sérgio Ludeman
Fotos e texto: Proex
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