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Uma defesa TRANScendente

  • Publicado: Quarta, 05 de Junho de 2019, 14h49
  • Última atualização em Quarta, 05 de Junho de 2019, 14h50
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Isabella Santos Silva é a primeira mulher trans a defender um Mestrado no Sul da Bahia. A mais nova Mestra em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da Bahia (PPGER/UFSB) defendeu o trabalho "Cursinho preparatório para o ensino superior: garantia de práticas no ensino básico de condições de acesso às Universidades para pessoas LGBTI e demais minorias sociais" na tarde de ontem, 4 de junho, na Sede do Grupo Humanus, em Itabuna.

Participaram da banca de defesa o Professor Seu Verciah, da UFBA e militante do Movimento De Trans pra Frente, de Salvador; a Professora Dodi Leal, do Campus Sosígenes Costa da UFSB, e o orientador do trabalho, Professor Rafael Guimarães, do Campus Jorge Amado da UFSB.

Durante a apresentação, Isabella ressaltou a perspectiva freireana adotada na condução da pesquisa de Pós-Graduação, que foi a criação e coordenação, por ela, do Cursinho Pré-ENEM Popular gratuito TRANS+, analisado em seu trabalho. O cursinho foi pensado para pessoas trans, LGBTI e de outras minorias sociais. As aulas foram ministradas por Isabella, que é professora de História, e por docentes e colegas do PPGER da UFSB, além de pessoas professoras das redes pública e privada de Itabuna, que atuaram como voluntárias.   

"Este trabalho vem de uma história de várias pessoas que morreram"

Isabella abordou questões como "lugar de privilégio", "interseccionalidade", "corpos dissidentes" e "deslocamentos". Além de noções teóricas, Isabella mostrou dados alarmantes sobre assassinatos de pessoas trans no Brasil no ano de 2018, utilizando como fonte o Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), organizado por Bruna Benevides e Sayonara Nogueira, publicado neste ano.

Ela contou que o projeto foi desenvolvido com formato político-pedagógico inspirado em Paulo Freire e que seguiu leis federais e baianas como o Decreto n. 8727/2016, a Resolução 120/2013 do Conselho Estadual de Educação, as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que, embora existam e sejam importantes, "não se percebe sua materialização e a garantia de aplicação", criticou Isabella. Ela apresentou os resultados quantitativos do cursinho Trans+ e também os achados qualitativos, que incluem "fortalecimento político e afirmações de gêneros e sexualidades", o que foi assinalado pela banca como ponto muito positivo da pesquisa-ação realizada.

"Nós não somos únicas. É Isabella falando por outras pessoas trans "

O avaliador Verciah considerou a defesa de Isabella um momento histórico, corajoso, resultado de um projeto revolucionário, principalmente, por "estamos num lugar que, durante muito tempo, foi marcado pelas nossas ausências. Ocupemos!"

Ele destacou a presença de duas pessoas trans na banca, um feito inédito. "Nós, corpos indesejados, somos sempre podados. É preciso dizer para as pessoas trans que elas podem, enquanto a sociedade diz que elas não podem", sentenciou. O professor ressaltou também que "trabalhos como o de Isabella proporcionam à sociedade pensar sobre os corpos dissidentes" e, por isso, a incentivou a persistir.

"Esse tipo de projeto faz o que o Estado não faz"

A professora Dodi Leal iniciou sua arguição com a leitura de um texto de Linn da Quebrada. Antes disso, ela trocou de lugar com Isabella, ocupando a cadeira dela e permitindo, num gesto de generosidade, que Isabella se posicionasse desde a cadeira de avaliadora, num "exercício de deslocamento".

Com isso, a professora Dodi valorizou uma palavra muito utilizada por Isabella ao longo da apresentação do trabalho: deslocamento. Dodi elogiou a polissemia atribuída à palavra por Isabella e provocou a plateia a questionar-se e à sociedade a partir da afirmação de que "ser trans é ser diaspóricx, por romper com a condição de gênero cisheteronormativa compulsória" reinante na sociedade.

Dodi ressaltou a necessidade de as pessoas trans terem suas vivências aprofundadas em experiências como a de Isabella com o projeto de mestrado. Também reforçou a necessidade de seguirem criticando as ausências nas políticas públicas em todas as esferas, pois continuam excludentes.

O professor Rafael Guimarães, orientador de Isabella, destacou a importância do trabalho e da atuação dela no PPGER e na sociedade sul-baiana: “Isabella representa um enfrentamento importante na cidade e na região, em especial porque seu trabalho ecoa a força das pessoas trans que existem e (re) existem no interior do Brasil”.

Ao final, o público participou, com comentários e perguntas para Isabella. O presidente do Grupo Humanus, Itamar de Jesus Santos, contou um pouco da história de luta do coletivo, que tem 18 anos de atuação no município de Itabuna e com o qual Isabella colabora como educadora social.

 

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Link do dossiê: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2019/01/dossie-dos-assassinatos-e-violencia-contra-pessoas-trans-em-2018.pdf

Título: Trecho da fala de abertura da banca, pelo Prof. Dr. Rafael Guimarães (PPGER/UFSB)

Texto: Lilian Reichert Coelho (DSIS/UFSB)

Fotos: Egnaldo França (Grupo Encantarte e mestrando do PPGER/UFSB)

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