Empatia e alteridade ajudam na valorização da saúde mental e na prevenção do suicídio
A barreira parece estar ruindo. Apesar de muito cuidado e de dúvidas sobre como abordar o tema do suicídio e da saúde mental, o tabu imposto enfraquece. Sob a ótica da saúde pública, a regra é tratar com seriedade e responsabilidade. O slogan adotado para a campanha da UFSB para o Setembro Amarelo de 2018 é “Falar Abertamente” e reflete esse novo olhar.
O servidor da UFSB e psicólogo Damon Bonfim Andrade explica essa mudança geral no enfrentamento desse fato. É preciso entender que a pessoa que passa por um sofrimento psíquico intenso e contínuo pode deixar de ver saídas e começar a considerar a morte uma opção. “O foco da Organização Mundial da Saúde nesta década é a saúde mental. E isso pode passar por diversos motivos conjunturais. A nossa sociedade também enseja esse tipo de sofrimento. Então, porque esse slogan? Falar abertamente já é uma provocação para uma sociedade que tem um tabu, um preconceito quando se trata de saúde mental”, destaca Damon.
Como ainda ocorre a desqualificação da busca por ajuda psicológica, por preconceito e desconhecimento, a ideia é estimular a postura aberta para o diálogo a respeito. Damon aponta para a diferença de aceitação social entre a enfermidade fisiológica, como uma febre ou uma gripe, e o mal-estar mental, eventual ou crônico. “Eu acho que falar a respeito é possível, e seria interessante que a gente exercitasse isso abertamente, que as pessoas tivessem essa tranquilidade de falar de um momento de vulnerabilidade psicológica assim como uma pessoa fala de uma enfermidade fisiológica: ‘Ah, hoje eu não vou ao trabalho porque estou gripado.’ ‘hoje não fui ao trabalho porque estava em um momento psicologicamente delicado’.” A ideia é que as pessoas que estejam com esse sofrimento falem com alguém, e a capacidade empática é essencial: “Pode ser uma pessoa amiga, alguém com empatia. E, no âmbito institucional, a UFSB conta com psicólogos que podem realizar um primeiro atendimento, uma triagem, e encaminhar para a rede pública ou privada”.
Análise do contexto local
A UFSB apresentou em setembro de 2017 a campanha “#Não é Besteira, é coisa séria”, baseada no resultado da coleta e análise de manifestações de sofrimento psíquico de seus estudantes via redes sociais. Além da ansiedade experimentada com o período inicial da universidade, o modelo pedagógico adotado e as circunstâncias provocadas por decisões como a da progressão ao 2º Ciclo, há a pressão comum a diversos contextos da transição do ensino médio para o ambiente universitário: “Por exemplo, há quem tenha saído da casa dos pais, vem morar aqui com amigos ou com pessoas que acabaram de conhecer. Às vezes mudam até de estado para estar aqui. Esse processo por si só já gera efeitos ansiogênicos na pessoa, que podem vulnerabilizar o organismo a ponto de ela realmente precisar de um profissional de saúde mental que possa auxiliar. Pensando na esfera macro, no Brasil e no mundo como um todo, é um momento de vulnerabilidade”.
Damon aponta para o processo de instalação de uma nova instituição, caminho muitas vezes de muitas incertezas: “Por mais que exista um escopo, por mais que exista um plano orientador, por mais que exista um projeto já robusto e bem fundamentado, e às vezes não é isso o que acontece, é normal. É normal porque a administração precisa correr atrás de vagas para professor, contratação de pessoas, essas pessoas precisam de tempo para estabelecer os componentes curriculares. Enfim, é uma série de características sociais, do momento da pessoa, fazendo uma transição para uma dimensão totalmente distinta, um universo mais duro”. A diferença da relação professor-aluno na vivência da Educação Básica e na Educação Superior é um ponto especial dessa transição. “O docente na universidade preza muito pela autonomia do sujeito, enquanto que a depender do tipo de escola, o professor muitas vezes segura na mão do aluno”, expõe o psicólogo, destacando que essa mudança é geradora de ansiedade para o estudante, ao lado de questões como os métodos de avaliação e o medo de não corresponder às expectativas, bem mais altas que as existentes durante o ensino fundamental e médio, dentre outras.
Em termos institucionais, já existe uma atenção para as publicações que relatam esse tipo de sofrimento. A campanha do Setembro Amarelo é uma resposta, em forma de sensibilização para o valor da vida e para relevância da saúde mental. Damon conta que a campanha “#Não é Besteira, é coisa séria” realizada em 2017 pela Pró-Reitoria de Sustentabilidade e Integração Social (Prosis) dedicou-se a perceber o sentir na universidade, angariando muitas manifestações de alunos. O resultado foi a recepção e publicação de várias frases nos canais institucionais, a partir de 214 participações de alunos dos três campi e dos colégios universitários (CUNIs). As mensagens denotavam ansiedade provocada pela incerteza com o que estava por vir. “A responsabilidade que esse corpo discente trouxe para a universidade é de que, pelo menos, os caminhos estejam mais solidificados. Por mais que seja difícil, que exista um norte. Então, acho que é importante que esses processos de progressão, quais as disciplinas, como fazer, qual o critério de inserção para os próximos ciclos, essas coisas sejam definidas”.
Além de jogar luz sobre as manifestações de sofrimento, a campanha “#Não é Besteira, é coisa séria” permitiu gerar um relatório sobre a campanha e a situação percebida [clique aqui para consultar o documento] e recomendações para que a instituição aja de modo a contribuir para a redução dos fatores influentes. O relatório foi apresentado ao Conselho Superior da UFSB e é uma leitura relevante para a comunidade acadêmica, especialmente para os professores. Para Damon, “o docente é figura relevante na instituição, principalmente nessa relação. O docente é a figura institucional mais próxima do estudante”. Nessa condição, a atuação docente é como um termostato da administração, fornece uma leitura, uma sensação do estado de coisas na instituição para o aluno. Por isso, a presença de frases sobre falas e atitudes impactantes de professores tem peso na lista de fatores de ansiedade registrada na campanha de sensibilização. “A instituição tem de estar atenta à forma como os seus representantes estão passando as ideias de projeto, e como estão executando essas ações”, afirma Damon.
É preciso empatia (a capacidade de se colocar no lugar do outro) e alteridade (reconhecer o outro como diferente) para que, em um ambiente muito politizado e com divergências de projeto como é uma universidade pública, a parcela da comunidade em processo formativo mais intenso deve ser respeitada nos processos de disputa. É vital evitar que se crie processos disfuncionais, de extremo pessimismo dos alunos sobre sua trajetória institucional. O psicólogo pondera que é essencial mostrar aos alunos que a experiência de universidade comporta algo de sofrimento, mas nada além do gerado pela transição. E aponta que as manifestações mostraram, em algumas falas, indícios de relações de poder insalubres: “A instituição tem de estar atenta”. Para além da sensibilização da comunidade, a campanha ajudou a tornar visíveis demandas individuais de socorro: “Também pudemos identificar os casos de mais alto risco e dar atendimento a essas pessoas”, relata o psicólogo.
As políticas públicas pela saúde mental
Enxergar a saúde mental como política pública, para Damon, implica conceber a atuação imediata e “um projeto longitudinal, de longo prazo” e em mais de um âmbito. O atendimento preventivo depende de investimentos em pessoal, equipamentos e capacitação. Se a rede de atenção em saúde precisa estar estruturada e treinada, a educação deveria incluir noções de ética, de relações humanas e até mesmo de trato com o dinheiro, os meios de comunicação e o consumo. O insucesso em reproduzir padrões aquisitivos e estéticos, exibidos diariamente na mídia tradicional e nas redes sociais, é um potencial fator de ansiedade e insatisfação ao qual a maioria da população está sujeita. Seria o resultado da falta de esforço dedicado a trabalhar a inteligência emocional e as habilidades sociais em um repertório educacional tecnicista.
Por exemplo, os sites e revistas dedicados a vender a imagem das celebridades, ostentando o luxo e a fortuna em níveis extremos, são agressivas e adoecedoras para quem vive com recursos mínimos nas periferias. O bullying virtual é outro fenômeno causador de sofrimento e que pode levar a ações extremas. E os mais diversos debates estão marcados pela agressividade nas trocas de ideias, em especial quando nas redes sociais: “as pessoas têm muito acesso à comunicação e estão muito despreparadas para lidar com ela”. Damon argumenta que o momento pede a reconexão do ser humano consigo mesmo, com os outros, presencial, imediata. Isso vai tornar mais fácil identificar e enfrentar as vulnerabilidades. E, em especial, identificar esses momentos antes que o adoecimento leve a um quadro de depressão.
Em termos de ação imediata, as campanhas de sensibilização precisam de apoio da mídia e das instituições que têm capilaridade junto à população, como igrejas e associações. Fazer a mensagem chegar da forma correta e com seriedade é essencial para oferecer alternativa a quem está precisando de espaço e escuta.
Como identificar os sinais?
Primeiro é importante desresponsabilizar o outro, no sentido de culpabilizar, e ao mesmo tempo responsabilizar-se, no sentido de prestar atenção aos outros. Damon explica que por vezes há um fator coletivo, conjuntural, a provocar a sensação negativa. Além disso, a pessoa que sofre pode ocultar sua condição, aparentando normalidade na esfera social e padecendo no íntimo, a ponto de consumar uma tentativa suicida. A resistência em se expor se deve à atitude cultural de desprezar os episódios ou quadros de má saúde mental e de reduzir a pessoa que sofre a termos pejorativos como “louco”, “desequilibrado”, “suicida”, eliminando todas as qualidades que aquele indivíduo possui.
“Na esfera macro, a nossa sociedade está em um nível de ansiedade muito grande, e isso reflete inclusive no acesso às redes sociais”, indica Damon, explicando que diversos estudos apontam para o papel dessas plataformas em quadros de enfermidade mental. É o caso das publicações em que as pessoas estão dentro do padrão estético e aparentando uma vida sem problemas, em contraste com a realidade de quem consome essas informações. “Existe até um constrangimento de mostrar o sofrimento” em um espaço público virtual no qual todos aparentam estar bem, diz Damon.
Por isso, uma orientação é prestar atenção ao outro: mudanças na sua fala, aparência e atitudes. Alterações na forma de se vestir, no jeito de falar e de interagir são sinais importantes. Notar as diferenças na atitude dos outros com o olhar empático ajuda a perceber o problema alheio e abre a possibilidade de se manifestar quando se está em sofrimento.
Não basta notar, é preciso também ouvir com empatia, sem julgamentos de valor sobre a fala do outro, enfatiza o psicólogo. Se, ao começar a falar de seus problemas, a pessoa ouve algo como “isso é bobagem, besteira”, a reação normal é se fechar. “Parece pouco, mas simplesmente ouvir, olhar o outro, perceber o outro ao seu lado já é relevante o suficiente para você, quem sabe, mudar uma realidade fatalista”, diz Damon.
Ouvir sem julgar é um começo. Encorajar a pessoa a buscar um serviço especializado, como o dos psicólogos, disponíveis nas estruturas administrativas dos três campi, é o passo seguinte. No caso da UFSB, os psicólogos podem ser contatados junto à estrutura dos IHACs dos campus Jorge Amado (Itabuna), Sosígenes Costa (Porto Seguro) e Paulo Freire (Teixeira de Freitas).
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