Afeto, migração e auto(re)cohecimento foram temas de seminário sobre arte e ativismo
Uma troca de experiências visceral entre o público e duas mulheres artistas, ativistas e, cada uma a seu modo, pesquisadora marcou a IV edição do Seminário Processual do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais (PPGER) do CJA, realizada na noite de ontem (2), no auditório da Reitoria.
A sintonia entre as convidadas, a fotógrafa e militante Marcela Bonfim e a curadora de arte e feminista Paola Marugán, reverberou como partilha generosa que amalgamou depoimentos pessoais, trajetórias artísticas e de pesquisa e reflexão política.
Marcela Bonfim, paulista-rondoniense, economista por formação, fotógrafa e ativista pela causa das populações negras e povos tradicionais da Amazônia, fez revelações sobre seu percurso em direção ao autoreconhecimento como mulher negra a partir da migração para Rondônia, onde também se tornou fotógrafa um pouco por acaso.
Ela contou aos presentes como foi sua trajetória de vida desde Jaú, interior de São Paulo, sua cidade natal, passando pela Faculdade de Economia, até chegar a Rondônia e se descobrir negra e artista. Narrou também suas experiências com o teatro, com a impactante arte no presídio vivida em Porto Velho, com o cinema experimental, com as pessoas negras da Amazônia.
“Ainda estou aprendendo a ser negra, a me libertar da branquitude. Aprendi a lutar com a máquina fotográfica”, revelou Marcela, que começou a se reconhecer como negra a partir das imagens que ela mesma passou a fotografar nas horas livres na capital de Rondônia.
Antes disso, ela garantiu que apenas registrava, mas, ao se deparar com a beleza das imagens, passou também a se ver como pessoa negra e a sentir afeto por si mesma e pelos outros. E também a valorizar a beleza do corpo negro.
“Mais do que a fotografia, é o afeto. Cada retrato, para mim, é um autorretrato. A história deles é parte da minha história”, explicou, animada e assertiva, Marcela.
Há mais de dois anos, Marcela Bonfim tem participado de exposições, tendo sido contemplada com vários editais para apresentar seu projeto (Re)conhecendo a Amazônia Negra: Povos, Costumes e Influências Negras na Floresta.
Ela repetiu diversas vezes sua percepção de que as imagens comuns de negros(as), veiculadas na mídia e nos livros didáticos, atuam sempre para reforçar “a destruição do corpo negro.” Como afronta a isso, tenta, com suas fotografias, enfrentar “esse estigma do corpo exposto em situações em que eu não gostaria de estar.”
Paola Marugán é espanhola, morou no Brasil e, hoje, estuda artistas brasileiras no doutorado em andamento no Programa de Estudos Feministas da Universidad Nacional Autónoma de México. Ela guiou sua apresentação pelo tema Intervenções feministas na crítica cultural e na historiografia da arte.
A pesquisadora enfatizou que compreende a história da arte como lugar de ação política. Para isso, é necessário construir a crítica do cânone e pensar as condições de produção de arte. Quem produziu e quem produz arte? Como produz? Em que situações? E, principalmente, Paola provocou o público ao interpor a questão: “Por que não estudar mulheres artistas?”
Paola explicou que uma das categorias centrais da sua pesquisa e do seu ativismo como mulher feminista é o corpo. E contou um pouco suas próprias experiências de vida como ex-bailarina clássica e de flamenco. Criticou os modos como a dança clássica impõe um corpo enrijecido, domesticado e como o violenta ao pressionar pela busca de um padrão.
Como referências teóricas que norteiam seu trabalho, citou Patricia Hill-Collins e Maria Lugones, defendendo a perspectiva decolonial/pós-colonial para seus estudos e para a compreensão dos ativismos feministas do sul.
Ela prosseguiu, compartilhando momentos significativos da sua história de vida na relação com o próprio corpo e com o feminismo. Revelou que foi crucial sua passagem pelo Rio de Janeiro, onde fez o mestrado, na UERJ, e o contato com o Grupo Cultural Balé das Iyabás, que a ajudou a superar dramas pessoais e a se definir ainda melhor como feminista.
Do ponto de vista mais conceitual, Paola questionou aplicações banalizadas do termo interseccionalidade e destacou para os presentes as contribuições artísticas e intelectuais de várias mulheres latino-americanas, lamentando que muitas sejam conhecidas apenas em circuitos ainda restritos.
Acompanharam a atividade as(os) docentes do PPGER/CJA Cynthia Barra, Rafael Guimarães, Milena Magalhães e Milton Ferreira.
A presença de Marcela Bonfim foi viabilizada pela parceria entre a UFSB e a Organização Gongombira de Cultura e Cidadania, de Ilhéus, que teve projeto contemplado com edital da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI) para a realização da terceira edição da série de atividades ligada ao projeto Mãe Ilza Mukalelê. Marcela participará de duas atividades entre os dias 3 e 5 de agosto.
Confira os trabalhos das artistas, ativistas, pesquisadora:
Marcela Bonfim: https://www.amazonianegra.com/re-conhecimento
Paola Marugán: http://mostradevires.com/
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