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Artigo na Nature destaca importância dos bancos de rodolitos tropicais a partir de pesquisa em Abrolhos

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Quarta, 03 de Fevereiro de 2021, 10h26 | Última atualização em Quarta, 03 de Fevereiro de 2021, 10h39 | Acessos: 9087

Os bancos de rodolitos, ao lado dos recifes de corais, estão entre os maiores e mais diversos habitats da vida marinha, mas ainda não se sabe muito sobre o papel deles na relação com outros tipos de espaço em que a fauna dos oceanos vive. E também não são espaços protegidos o bastante. Esses são alguns dos pontos destacados do artigo Tropical rhodolith beds are a major and belittled reef fish habitat, publicado na revista Scientific Reports - Nature a partir de estudo conduzido pela Rede Abrolhos e assinado pelos cientistas Rodrigo L. Moura (UFRJ), Maria L. Abieri (UFRJ), Guilherme M. Castro (UFRJ), Lélis A. Carlos-Júnior (UFRJ), Pamela M. Chiroque-Solano (UFRJ), Nicole C. Fernandes (UFRJ), Carolina D. Teixeira (UFRJ), Felipe V. Ribeiro (UFRJ), Paulo S. Salomon (UFRJ), Matheus O. Freitas(UFRJ), Juliana T. Gonçalves (UFRJ), Leonardo M. Neves (UFRRJ), Carlos W. Hackradt (UFSB), Fabiana Felix-Hackradt (UFSB), Fernanda A. Rolim (UNESP), Fábio S. Motta (UNIFESP), Otto B. F. Gadig (UNESP), Guilherme H. Pereira-Filho (UNIFESP) e Alex C. Bastos (UFES).

 banco de rodolitos

 

 

 

Uma visão dos bancos de rodolitos rasos do Banco dos Abrolhos e sua cobertura de algas frondosas, que vivem fixadas sobre os rodolitos e um close no rodolito, mostrando a estrutura circular da alga calcária (Crédito: acervo pessoal do professor Carlos W. Hackradt).

 

 

 

 

 

 

O tema merece bastante atenção. Em geral, a preocupação com a proteção das áreas de recifes de corais, por conta da quantidade de pesquisas relacionadas,  está mais presente inclusive perante a opinião pública, enquanto que os bancos de rodolitos, que abrangem vastas extensões do solo marinho, ainda não estão tão em evidência. Como os recifes de corais e os bancos de rodolitos são habitats relativamente próximos, as interações de fauna e flora marinhas entre esses espaços são importantes. Pesquisas têm se interessado por esse tipo de habitat por alguns motivos: a existência de bancos de rodolitos em diferentes latitudes e longitudes do globo, as vastas extensões desses bancos (o banco de rodolitos em Abrolhos, por exemplo, tem extensão estimada em cerca de três vezes a área do Distrito Federal) e as diversas atividades econômicas desenvolvidas nesses espaços, como a pesca, a extração de óleo e a coleta de rodolitos para produção de corretivos para a agricultura.

 

O que é um rodolito e porque isso importa

Os bancos de rodolitos são formados por, claro, rodolitos, que são algas altamente especializadas em captura de carbono e formadoras de megahabitats bênticos ("bêntico" vem do grego "benthos" e se refere às comunidades de organismos que vivem no fundo do mar). De uma forma parecida com o processo de formação de corais, um rodolito vai retirando o carbono da água e o solidifica ao redor de si, gerando com isso o carbonato de cálcio, que é essencial para a vida marinha. Isso confere ao rodolito a aparência endurecida de uma pedra de rio.  Além disso, os rodolitos servem de abrigo para espécies pequenas de animais invertebrados que vão, por sua vez, servir de alimento para espécies maiores, como peixes, e como base para fixação de algas maiores, que vão alimentar peixes herbívoros. Um banco de rodolitos, portanto, é uma área repleta desses seres vivos que são capazes de criar o próprio habitat com seu processo vital. A sua capacidade de formar carbonato de cálcio também confere valor comercial ao rodolito como fonte de calcário para correção de solo na produção agrícola.

 

Anemona tapete rodoraso

Bodiao brasileiro Halichoeres brasiliensis

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 À esq.: Anêmona tapete que vive nos espaços entre os rodolitos; à dir., espécime juvenil de bodião brasileiro (Halichoeres brasiliensis), que usa os rodolitos como área de berçário para a espécie (Crédito: acervo pessoal do professor Carlos W. Hackradt).

 

No estudo descrito no artigo, os pesquisadores empregaram metodologias que combinaram captura de imagens em vídeo com equipamentos adaptados para imagem em diferentes profundidades e iscas atrativas de peixes e softwares especializados para diversas medições, além de análise estatística para comparar os peixes dos recifes com os do banco de rodolitos. As coletas de dados foram feitas em maio de 2017 e maio de 2018 em 19 pontos no Banco de Abrolhos, que contém a área protegida do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, incluindo pontos em recifes e em banco de rodolitos. A biodiversidade de áreas de recife de coral e de rodolitos foi medida e comparada em termos de variedade de espécies de peixes, biomassa (quantidade de seres vivos) e a luminosidade no fundo, uma variável que engloba a turbidez da água e a profundidade de um ponto de coleta.

Os indícios obtidos no estudo mostram que os bancos de rodolitos em águas tropicais abrigam grande variedade e quantidade de peixes e parece cumprir uma função complementar à dos recifes, com base na composição de espécies presentes. Esse e outros resultados da pesquisa mostram a necessidade de salvaguardar esses habitats tanto para mais pesquisas quanto para a manutenção do ambiente e das relações que o mantêm. 

Os professores Carlos Werner Hackradt e Fabiana C. Félix-Hackradt, coautores do estudo e estudo e pesquisadores no Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LECOMAR/UFSB), no Campus Sosígenes Costa (Porto Seguro), explicaram mais detalhes do tema em entrevista por e-mail à ACS.

ACS: No artigo, os autores ponderam que o papel dos bancos de rodolitos como um habitat importante para espécies de peixes e a relação com as áreas de recifes de corais ainda demanda mais pesquisas. Que hipóteses já se pode desenvolver com os dados atuais?

Carlos Werner Hackradt e Fabiana C. Félix-Hackradt: De forma geral, os recifes de corais do Brasil e do mundo estão em voga há muitos anos, tendo sido um dos habitats marinhos mais bem estudados globalmente. Entretanto, os bancos de rodolitos têm sido pouco estudados, apesar de ocorrerem no Mediterrâneo, Atlântico Norte, Caribe e no Pacífico (entre Japão e Austrália), se encontram distribuídos em grandes manchas ao longo de toda a costa brasileira, desde o Pará até Santa Catarina, cobrindo uma extensão de 4.000km, sendo o maior deles o habitat marinho do banco dos Abrolhos, com cerca de 20.900 km². Baseando-se nesta grande proporção de contribuição como habitat para peixes que os rodolitos fornecem, entender o papel funcional dos bancos de rodolitos passa a ser uma demanda importante. Sabemos, segundo nosso paper, que os rodolitos são tratados como um habitat marginal; entretanto, eles ocupam uma área considerável e apresentam uma fauna de peixes diferente e complementar àquela presente nos recifes de corais.

Neste contexto é fundamental entender quais são as funções ecológicas desempenhadas pelos peixes presentes em bancos de rodolitos e como elas se complementam com a função desempenhada pelos peixes nos recifes de corais: são iguais? são distintas? ou são complementares? Essas funções são importantes pois os bancos de rodolitos são um dos maiores reservatórios de carbono do planeta. Caso entrem em colapso, a liberação deste carbono pode agravar os problemas relacionados às mudanças climáticas. Outras questões importantes são: Como se dá e qual a importância dos bancos de rodolitos para o recrutamento de peixes e outros organismos de importância econômica? e por consequência; Como os bancos de rodolitos promovem o aumento de biomassa de peixes e qual seu impacto para a pesca? Caso os bancos de rodolitos desapareçam (pois existe forte pressão de mineração sobre eles), ou os próprios recifes de corais (tão ameaçados na atualidade) quais os efeitos para as populações de organismos marinhos e para as comunidades de pescadores que dependem destes habitats para seu sustento? Todas estas questões são chaves para o entendimento e a conservação destes habitats que vêm se mostrando serem muito mais importantes do que se imaginava até o momento.

 

Cângulo rei Balistes vetula

 

 

 

 

 

 Um juvenil de Cangulo Rei (Balistes vetula) se escondendo dentro de uma concha de gastrópodo (acervo pessoal do professor Carlos W. Hackradt).

 

 

 

 

ACS: Os bancos de rodolito, além do uso econômico em agricultura por conta do carbonato de cálcio, são provedores de importantes serviços ecossistêmicos. Esses bancos estão sob quais ameaças, em Abrolhos especificamente, e em outras áreas em geral?

Carlos Hackradt e Fabiana Félix-Hackradt: As maiores ameças para os bancos de rodolitos são:

As mudanças climáticas: O aquecimento dos oceanos vêm promovendo um aumento da acidez da água marinha. Esse componente mais ácido afeta os organismos que usam o carbonato de cálcio (CaCO3) para construir suas estruturas rígidas, como é o caso dos esqueletos dos corais, as conchas dos moluscos e o revestimento das algas calcárias (que são o principal organismo formador dos bancos de rodolitos). Estudos estimam que os bancos de rodolitos do Brasil, os maiores do mundo, aprisionam cerca de 2x10¹¹ toneladas de CaCO3. Apenas os bancos de rodolitos de Abrolhos produzem cerca de 0,025Gt ao ano, o que é comparável a todo CaCO3 produzido pelos recifes de corais no mundo. Desta forma, em um cenário de acidificação dos oceanos, todo esse carbono aprisionado poderia ser liberado e disponibilizado para recirculação, contribuindo para o aumento da concentração do mesmo e incrementando, ainda mais, os drásticos efeitos das mudanças climáticas.

Perda de habitat: A perda ou destruição dos habitats é um fator importante. Sendo estes bancos o maior habitat presente no Banco de Abrolhos, sua destruição levaria a uma perda significativa de espécies marinhas. Essa perda acarretaria em impactos ecológicos e econômicos diretos e indiretos, já que as espécies de peixes dependem, em parte ou no todo de seu ciclo de vida, do banco de rodolitos. Ao serem algas as formadoras dos bancos, sua eliminação/perda, também impactam diretamente na produtividade primária do ambiente (taxa de fotossíntese) o que alteraria a estrutura das cadeias tróficas de toda a região do banco dos Abrolhos.

Mineração/Prospecção dos bancos de rodolitos: Ao serem um habitat tão vasto, e com alto potencial de aplicação na agricultura e em bioprodutos, pode-se imaginar que explorá-lo economicamente seria viável e interessante. Entretanto, as algas calcárias têm um tempo de crescimento lento. Isso ocorre porque o processo de impregnação do CaCO3 é custoso energeticamente e portanto lento. Dessa forma, uma exploração a larga escala pode comprometer seriamente os bancos de rodolitos e toda a biodiversidade que ele abriga. Essa pressão se faz mais presente nos recifes da foz do Amazonas, que também alberga um extenso banco de rodolitos descrito em um estudo liderado pelo primeiro autor do nosso artigo, professor Rodrigo Leão de Moura.

 

Camrão palhaço Periclimenes yucatanicus

 

 

 

 

Camarão palhaço (Periclimenes yucatanicus) encontrado normalmente próximo à tocas e buracos ou anêmonas, onde encontra proteção e habilita a formação de uma estação de limpeza, local onde os peixes se aproximam e têm os parasitas corpóreos removidos pelo camarão (acervo pessoal do professor Carlos W. Hackradt).

 

 

 

 

   

ACS: Que medidas de proteção deveriam ser adotadas para essas áreas?

Carlos Hackradt e Fabiana Félix-Hackradt: No caso do banco dos Abrolhos, uma pequena parcela dos bancos de rodolitos estão incluídas dentro da área do Parque Nacional. O banco de rodolitos mais ao sul do Atlântico, na Ilha do Arvoredo em Santa Catarina, também está incluído dentro da Reserva Biológica do Arvoredo. Sabe-se também que bancos de rodolitos no entorno das Ilhas Oceânicas Brasileiras (Fernando de Noronha e Ilha de Trindade) também são protegidos, em partes, pelas Unidades de Conservação (UCs) que lá existem. Entretanto, ao ser um habitat tão extenso, a maior proporção deles ocorre fora de UCs e não existe no Brasil nenhuma medida de controle ou legislação específica que promova regramento ou proteção aos bancos de rodolitos e organismos associados, deixando estes habitats desguarnecidos e vulneráveis aos impactos antrópicos. É fundamental aprofundar os estudos e mapear a distribuição destes habitats, incluí-los dentro dos planejamentos estratégicos nacionais de políticas públicas e implementar medidas de conservação e gestão destas áreas.

 

ACS: A equipe do Lecomar tem outros estudos em andamento ou em avaliação relacionados aos bancos de rodolitos? É possível falar um pouco sobre essas pesquisas no momento?

Carlos Hackradt e Fabiana Félix-Hackradt: Sim, atualmente somos membros da Rede Abrolhos, que conduziu o estudo, e integram o grupo de pesquisadores do PELD Abrolhos (Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração, do CNPq), que vêm estudando os bancos de rodolitos de Abrolhos há alguns anos. Neste contexto, desenvolvemos uma tese de doutorado sobre a Ecologia da Paisagem Marinha, na qual os bancos de rodolitos figuram como um dos habitats avaliados na paisagem. Esta tese busca entender como as distintas manchas de habitat da paisagem marinha afetam a estrutura e a composição das assembleias de peixes e quais impactos têm na resiliência destes ecossistemas. Aliado a isso, um estudo de mestrado focado na ecologia funcional dos recifes e dos bancos de rodolitos está sendo desenvolvido para entender de que forma se desempenham os papéis funcionais destes dois grandes megahabitats de abrolhos (recifes de corais e bancos de rodolitos). Finalmente, uma avaliação do efeito dos megahabitats (estuário, recifes de corais e banco de rodolitos) está sendo conduzido, dentro de outra tese de doutorado, com intuito de entender o impacto destes habitats nos padrões espaciais de assentamento e recrutamento de peixes marinhos. Muitos destes projetos seguem a linha de aprofundar as pesquisas necessárias para entender melhor a estrutura e funcionamento dos bancos de rodolitos e assim ajudar no desenvolvimento de estratégias específicas de gestão, manejo e conservação destes habitats.

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