Artigo relata inédita fonte natural de cetamina e ação da molécula contra larvas de parasitas nematóides
Uma direção para o desenvolvimento de novo medicamento contra parasitas nematóides foi indicada em artigo recente publicado na revista científica Parasites & Vectors. Trata-se de uma molécula que até então era sintetizada, feita em laboratório, e que a pesquisa revelou ser também um resíduo natural do metabolismo de uma espécie de fungo que se alimenta de nematóides. O texto intitulado Ketamine can be produced by Pochonia chlamydosporia: an old molecule and a new anthelmintic? é assinado pelos cientistas Sebastião Rodrigo Ferreira (CFCS/UFSB), Alan Rodrigues T. Machado (UFMG/UEMG), Luís Fernando Furtado (UFMG/UEMG), Jose Hugo de S. Gomes (UFMG), Raquel M. de Almeida (UFMG), Thiago de Oliveira Mendes (UFV), Valentina N. Maciel (UFMG), Fernando Sergio Barbosa (UFMG), Lorendane M. Carvalho (UFV), Lilian Lacerda Bueno (UFMG), Daniella Castanheira Bartholomeu (UFMG), Jackson Victor de Araújo (UFV), Elida M. L. Rabelo (UFMG), Rodrigo Maia de Pádua ((UFMG), Lucia Pinheiro Santos Pimenta (UFMG) e Ricardo Toshio Fujiwara (UFMG).
Um novo fármaco para combater infecções por nematóides, ou nematelmintos, é essencial para as atividades de produção de alimentos e para a saúde. Algumas espécies causam prejuízos a várias culturas como soja, café, algodão, tomate e cana-de-açúcar, por exemplo. Há outras espécies de nematóides que parasitam o ser humano e animais, provocando doenças como a elefantíase, oxiurose e a ascaridíase, causada pelo parasita Ascaris lumbricoides, popularmente conhecido como “lombriga”.
Os produtos anti-helmínticos atuais usados na criação de animais e na lavoura têm efetividade limitada devido à resistência adquirida pelos parasitas. O que o artigo demonstra é que o fungo Pochonia chlamydosporia, que consegue capturar e se alimentar dos nematóides, produz de forma natural a cetamina, molécula desenvolvida em laboratório e usada como anestésico. A cetamina também é usada como droga recreativa.
Os resultados apontam para a cetamina como molécula promissora para a criação de novos medicamentos para tratar infecções por nematóides. Conforme o professor Sebastião Rodrigo Ferreira, docente e pesquisador no Centro de Formação em Ciências da Saúde (CFCS) em Teixeira de Freitas, descobrir uma fonte natural de um composto até então tido como sintético é um relato inédito
No estudo, os pesquisadores conseguiram extrair cetamina do fungo, porém em quantidade muito pequena para a bateria de testes necessária para verificar a efetividade da molécula contra nematóides in vivo, ou seja, em cobaias infectadas. No teste in vitro, porém, a cetamina natural extraída foi capaz de matar lavas do C. elegans, um nematóide que serve como modelo animal em vários tipos de estudos. Já no teste contra os parasitas, teve de ser usada a cetamina comercial. Na observação das cobaias mamíferas, foi possível encontrar dosagem eficiente para reduzir a zero a carga de vermes.
O professor Rodrigo Ferreira, que conduziu a pesquisa em seu doutorado, fala mais sobre os resultados encontrados e que perspectivas se pode ter a partir deles em entrevista para a ACS.
No estudo, os autores descobriram uma fonte natural de cetamina, até então um composto sintético. Que mudanças esse achado pode trazer?
Professor Rodrigo Ferreira: No campo científico, essa informação é muito importante, pois é um relato inédito. Os fungos nematófagos (fungos que predam e se alimentam de nematódeos), como o usado nesse trabalho, precisam de mecanismos para capturar e imobilizar suas presas, portanto a secreção de substâncias como a cetamina pode ter um papel crucial nesse momento. Além disso, as pesquisas dessa natureza demonstram o potencial daqueles fungos para descoberta de novos fármacos, de modo especial anti-helmínticos.
Os autores mencionam que há poucos investimentos em novos compostos contra parasitas nematóides, e que os compostos empregados hoje são pouco eficazes, uma situação típica de doenças negligenciadas. São compostos muito antigos? Que efeitos eles apresentam?
Professor Rodrigo Ferreira: Os anti-helmínticos atuais para uso na criação de animais (pecuária) são restritos e enfrentam problemas, como por exemplo a resistência por diversos nematódeos, muitas vezes inviabilizando a criação de animais em certas localidades. Os fármacos disponíveis também podem impactar sobre nematoides não-alvo, ou seja, aqueles organismos que não parasitas, portanto afetando o equilíbrio ecológico. Para a saúde humana, os fármacos empregados em sua maioria foram trazidos a partir do uso na medicina veterinária, em geral são eficientes e bem tolerados com uso em dose adequada. A resistência para nematoides de importância na saúde humana ainda não é um problema.
No caso, a quantidade de cetamina produzida pelo Pochonia chlamydosporia foi muito pequena para emprego nos testes nos roedores, porém apresentou um grau elevado de pureza e bom resultado no C. elegans e nos outros parasitas. Isso indica que o fungo pode ser uma fonte viável para essa molécula?
Professor Rodrigo Ferreira: Pensando na produção de um fármaco, seria mais viável a produção sintética (síntese química), uma vez que fungo produz baixa quantidade do metabólito. Esse problema é enfrentando por diversos potenciais fármacos de origem natural. Vide o exemplo que aconteceu com o fármaco taxol na época de sua descoberta (hoje resolvido).
Que possibilidades e vantagens a cetamina oferece na comparação com os compostos concorrentes testados in vivo, como o albendazole e a ivermectina?
Professor Rodrigo Ferreira: A vantagem, seria a ausência da resistência. E possível mecanismo de ação diferentes dos fármacos citados. A desvantagem são os efeitos adversos, já que é anestésico dissociativo. Além do uso como droga recreativa, o que ficaria difícil manter um controle da venda.
O reposicionamento da cetamina como vermicida é tido no estudo como uma possibilidade que demanda mais pesquisas. Um dos usos atuais (e certamente não-planejado) da cetamina é como droga recreativa. Que questões de estudo surgem a partir da constatação do poder desse composto para eliminar nematóides?
Professor Rodrigo Ferreira: O reposicionamento da cetamina como anti-helmintico, com a molécula atual, eu não vejo como viável, devido as informações anteriores. Porém, esse conhecimento abre oportunidades para estudos com moléculas com estruturas similares, bem como reforça o potencial de busca de novos anti-helmínticos a partir dos fungos, e de modo especial, os fungos nematófagos.
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