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Pesquisa propõe reflexão sobre o ensino de artes na educação básica na área de Itabuna, Ilhéus e Coaraci

Escrito por Heleno Rocha Nazário | Publicado: Sexta, 27 de Setembro de 2019, 14h35 | Última atualização em Sexta, 18 de Outubro de 2019, 16h05 | Acessos: 6893

aula

O ensino de Artes no currículo da Educação Básica, apesar de pouco valorizado nas redes públicas e privadas, é relevante para a formação cidadã em diversos âmbitos. As componentes curriculares dessa área em si devem promover a compreensão do papel da criação artística para além da aquisição de habilidades técnicas, incorporando o conhecimento e a compreensão das artes em suas ligações com a sociedade, a política, o aprendizado e as emoções. Mas qual é o ensino de Artes que ocorre de fato na rede pública de educação do território Ilhéus-Itabuna?

Com essa dúvida é que a docente e pesquisadora Alessandra Mello Simões Paiva planejou e coordenou o projeto de pesquisa Lugares da Arte: uma análise do ensino de artes na rede de Educação Básica na região de abrangência do Campus Jorge Amado (UFSB). Apoiada pelo Programa de Iniciação à Pesquisa, Criação e Inovação (PIPCI) no ciclo 2018-2019, a investigação recebeu uma bolsa financiada com recursos da UFSB. O PIPCI é conduzido pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPPG) e destina bolsas com financiamento de recursos de agências externas, como Fapesb e CNPq, e também com recursos próprios, marcando o investimento da UFSB na realização de estudos científicos em diversas áreas.

A professora Alessandra falou sobre a pesquisa e analisou o contexto do ensino de Artes, bem como a atuação que os egressos da UFSB podem ter nesse cenário, em entrevista para o UFSB Ciência.

 

 

 


De que trata a pesquisa?

A pesquisa teve como objetivo proporcionar uma reflexão crítica e atualizada a respeito das abordagens do ensino de artes na rede pública escolar na região de atuação da Universidade Federal do Sul da Bahia, Campus Jorge Amado, a partir do plano de trabalho Análise do ensino de Artes na rede de educação básica na região de abrangência do campus Jorge Amado (UFSB), associado ao projeto de pesquisa. Participaram da pesquisa, como entrevistados, cinco docentes atuantes na Educação Básica dos educandários Colégio Estadual Paulo Américo, Colégio Estadual Professora Horizontina Conceição e Centro Estadual de Educação Profissional do Chocolate Nelson Schaun, em Ilhéus; Colégio Estadual Josué Brandão, em Itabuna; e Colégio Estadual Almakazir Gally Galvão, em Coaraci.

 

Qual a contribuição dos resultados obtidos no plano de trabalho para o avanço do projeto?

Os resultados comprovaram a hipótese inicial de que, no Brasil, por diversas razões, educadores, gestores, alunos e outros atores da comunidade escolar nem sempre atentam para a importância da disciplina de Artes na trajetória curricular. Raras são as experiências pedagógicas que enfatizam a importância da arte em suas dimensões social, política, cognitiva e afetiva, isto é, para além de seu mero aspecto educacional instrumentalizador. Na nossa região, isto também é uma regra geral, como mostrou a pesquisa. Nas escolas pesquisadas, as disciplinas de artes também têm sido ensinadas por professores graduados em outras áreas.  Há casos de docentes com formação em Educação Artística e de professores direcionados para as disciplinas por afinidade pessoal, ainda que possuam formação em áreas distintas, como Biologia e Letras. Dessa forma, o ensino de Artes, com frequência, tem sido colocado a serviço de outras disciplinas ou como simples atividade cívica ou recreativa.

 

 

colegio josue brandaocolégio nelson schaun

 

 

 

 

 

 

 


Docentes do Colégio Josué Brandão, em Itabuna, e do CEEP do Chocolate Nelson Schaun, em Ilhéus, dentre outras escolas, colaboraram para o estudo (Fotos: Alessandra Simões)

 

 

Como foi feita a pesquisa? 

A proposta foi realizar estudo de casos em escolas nas cidades de Itabuna, Ilhéus e Coaraci, a partir de entrevistas, observação de documentos e leitura de bibliografia especializada. Seguimos os seguintes métodos:

  1. Pesquisa de campo para a definição das escolas a serem incorporadas ao estudo;
  2. Realização de entrevistas semiestruturadas para professores e coordenadores pedagógicos das escolas;
  3. Análise de documentos pedagógicos, quando pertinente;
  4. Pesquisa bibliográfica;
  5. Revisão de bibliografia;
  6. Levantamento da legislação pertinente;
  7. Análise teórica dos dados;

 

Qual a importância da pesquisa?

O ensino das artes é tão relevante no processo de aprendizagem quanto qualquer outra disciplina ministrada dentro do contexto educacional. Inclusive, a obrigatoriedade e o reconhecimento da necessidade do ensino de arte na legislação brasileira não têm sido suficientes para garantir sua efetividade na prática. Um longo caminho já foi percorrido para o reconhecimento do ensino das artes na educação básica. A mobilização de arte-educadores, o surgimento de novos cursos em nível de graduação e pós-graduação se refletem nas conquistas apresentadas na Lei de Diretrizes e Bases, PCNs e Diretrizes Curriculares. Entretanto, muitas dessas diretrizes não são colocadas em prática em função de sua dissociação com a complexidade ética, cultural e política das realidades de cada localidade brasileira, quadro ainda mais evidente nas escolas públicas, que sofrem com a falta de infraestrutura e de docentes especializados na área. Nossa pesquisa corroborou este estado de coisas na região de abrangência do CJA, compondo assim um panorama a respeito do assunto em um raio expressivo de atuação da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). A delimitação de apenas três cidades para este estudo foi feita com base nos limites para a exiguidade do trabalho, mas a amostra foi suficiente para elucidar o que estávamos suspeitando.

A falta de conhecimento especializado impacta negativamente no efetivo exercício do ensinar arte, e não permite que a arte seja realmente transformadora em todos estes âmbitos, tanto social, político, cognitivo e afetivo. O professor de arte deve se posicionar em relação a sua área de atuação, compreender detalhadamente o que é arte em todos seus movimentos e períodos, saber produzir arte e, assim, poder ensinar arte. Primeiramente, deve ter em mente que arte não é simples consequência das modificações culturais, como determinava a visão marxista; é, sim, o instrumento provocador de tais modificações. Se a arte faz isso a partir de um pensamento divergente a tudo o que a sociedade capitalista impõe, daí sua importância em várias dimensões da cultura humana. Se ao longo da história da educação é possível identificar um movimento pendular – ora entende-se a arte como potencial completamente livre, aberto à explosão criativa; ora como consequência de uma visão racional voltada para o aprendizado técnico -, na atualidade conceitos muito mais complexos permeiam o ensino em artes. 

As variadas nuances que atravessam hoje os campos das artes e da cultura merecem ser abordadas na escola por meio de uma visão bem mais aprofundada do que pelo simples entendimento de que a arte pode ser mero instrumento didático, momento de fuga prazerosa aos compromissos escolares ou de apoio a outras disciplinas em projetos interdisciplinares. A passagem do modernismo para o “pós-modernismo” (este último conceito ainda bastante polêmico) e a acentuação de um mercado cultural internacional provocaram impactos significativos no campo da arte contemporânea e desafiam os professores a repensar a relação entre as artes, a sociedade e a educação.

 

"O professor precisa se basear em conceitos de construção, de uma experiência prática de arte contemporânea, de desconstrução de conceitos históricos e pessoais, e de reconstrução de novos conceitos estéticos"

 

Por fim, e mais importante, não se pode fechar os olhos para as revoluções estéticas que delineiam o conceito de arte contemporânea, que tem em seu bojo a tentativa de dirigir as artes às coisas da vida, à natureza, à realidade urbana, ao mundo da tecnologia. Fazer arte contemporânea é articular diferentes linguagens - dança, música, pintura, teatro, cinema, literatura etc. -, e desafiar as classificações habituais. Ter a consciência de que a arte contemporânea coloca em questão o caráter das próprias representações artísticas e mesmo a própria definição de arte, além do sistema de validação da arte, é condição primária para que professor de artes consiga implementar um modo de ensinar condizente com a complexidade da época atual. Sobretudo, mergulhar nas complexidades da arte contemporânea requer um entendimento bastante acurado de sua história e de todas as suas especificidades, que são muitas. Não é desproposital que a educadora Ana Mae Barbosa, autora da abordagem triangular do ensino da arte (história-prática-análise), defenda a presença não apenas do educador em sala de aula, mas ainda do artista, do curador e do crítico. Afinal, a simples imitação das técnicas, por exemplo, é considerada totalmente improdutiva. O professor precisa se basear em conceitos de construção, de uma experiência prática de arte contemporânea, de desconstrução de conceitos históricos e pessoais, e de reconstrução de novos conceitos estéticos. Enfim, tudo isso para provar o quanto podemos reavaliar a relevância da arte para a sociedade como um todo, muitas vezes, entendida como mero desdobramento das questões sociais e econômicas da sociedade.

Quando isto é realmente colocado em prática, conseguimos alcançar a arte como uma experiência profundamente transformadora no ambiente escolar, como mostra esta passagem do PPC da LI Artes da UFSB: "Embora a dimensão de comunicação, geralmente explorada na forma de um “fazer” artístico (o que significa a obra em seu contexto e na contemporaneidade, meios e códigos usados etc.), seja relevante, as Artes encontram também seu devir ao explorar as experiências do sensível e a partilha estética, definidoras de propostas para o mundo, de modos de ser e estar. Pelo trabalho qualificado, atento e interdisciplinar, professores de Artes podem apresentar respostas surpreendentes para os problemas hoje colocados nas escolas da rede de Educação Básica, como a evasão escolar, a violência, a discriminação social, religiosa, racial e de gênero e o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, ao construir com os estudantes – crianças, adolescentes e jovens – variadas formas e espaços comuns de partilha. Muito além de reflexo das questões sociais, a arte deve ser entendida dentro de sala de aula como linguagem profundamente transformadora das experiências sociais e pessoais. Acima de tudo, deve estar aliada a práticas transformadoras da própria educação.

 

O que os resultados indicam/informam?

A análise teórica dos resultados, subsidiada pelas teorias contemporâneas do ensino da arte, indicou um panorama crítico e reflexivo a respeito das práticas artísticas-pedagógicas locais. A pesquisa, inclusive, foi ao encontro da política ufbsiana de fortalecimento das licenciaturas interdisciplinares e de valorização da educação básica e seus agentes no sul da Bahia, trazendo informações consolidadas a respeito do estado real da aplicabilidade do ensino de arte nas escolas na região, pretendeu-se colaborar assim para a construção de um conhecimento embasado a respeito do futuro breve a ser enfrentado pelos alunos egressos da Licenciatura Interdisciplinar em Artes e suas Tecnologias, que poderão trabalhar qualificadamente na rede de ensino, incorporando em sua prática docente as pesquisas e experiências artísticas desenvolvidas durante a graduação, reconhecendo ainda a complexidade social e educacional da sua região para atuar em prol da transformação da realidade.

Entender como a arte é reconhecida e valorizada nas escolas enquanto área do saber autônoma é uma maneira de colaborar para uma reflexão aprofundada a respeito de quais as possíveis relações desta realidade com as preposições do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), do Curso Licenciatura Interdisciplinar em Artes e suas Tecnologias (UFSB), que considera o campo das Artes enquanto universo de práticas interdisciplinares e interculturais.

Esta pesquisa apontou que a educação básica na região de abrangência do campus Jorge Amado mostrou um cenário semelhante ao do restante do Brasil. Inclusive, as motivações iniciais para a proposta do projeto foi a constatação da falta de professores formados em artes em cidades da região. Eu atentei para a questão por meio do depoimento de professores da UFSB envolvidos no projeto “Círculos de Cultura: práticas pedagógicas para o ensino de artes”, submetido em 2018 como subprojeto para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid/CAPES). Como a CAPES exigia que nas escolas-campo o projeto fosse supervisionado por professores licenciados em artes, os professores da UFSB partiram para procurar por estes docentes. A professora Gilmara Oliveira me disse que havia entrado em contato com as secretarias municipais e com a Direc, que informou que na maioria das escolas a disciplina de artes era ministrada por professores formados em Letras ou Pedagogia excedentes em suas áreas na escola pública em geral. A partir das entrevistas, o bolsista Raone Calixto notou algumas problemáticas mais acentuadas em relação a outros lugares do país, o que apontou para a pertinência desta reflexão sobre o assunto. Calixto mostrou que um desses agravantes no ensino dessa disciplina na delimitação geográfica pesquisada tem sido a carga horária destinada à disciplina.

 

"A arte é o campo da liberdade total, e sua força só afetará a educação na medida em que for verdadeiramente colocada em sala de aula"

 

 

De forma geral, no Brasil, há um curto tempo destinado à disciplina de arte nas escolas, falta de estrutura nas salas de aulas, bem como de material adequado para as aulas práticas, problemas que, somado com outros, direcionam aos questionamentos: qual é a função da arte no espaço escolar? Qual motivo de tanta desvalorização? Como a arte deve ser ensinada? Mas, na minha visão, a questão mais importante a ser discutida aqui é justamente a falta de visão acerca das especificidades das artes por parte dos docentes em geral. O PPC da LI enfatiza justamente este pensamento profundo que devemos ter a respeito da natureza da arte contemporânea. É nítido ver o quanto isso afeta nossos estudantes, que se transformam de forma significativa ao longo de sua trajetória. Principalmente, em suas posturas pessoais e de empoderamento frente ao mundo. Mas é preciso uma "mea culpa" diante de um fato: ainda acho que necessitamos incorporar um pouco mais estas questões teóricas e históricas relativas ao desenvolvimento do campo das artes. Nosso PPC é bastante focado nas questões étnico raciais - principalmente por meio das estéticas indígenas e negras. Isto é louvável diante das mudanças sociais e políticas, e no campo das artes, no qual podemos ver emergir na atualidade e sistematicamente as vozes silenciadas ao longo de uma histórica europeia, branca e masculina. E é ainda mais louvável diante de nossa força territorial, a Bahia, o sul da Bahia, e sua história marcada pelas tentativas constantes de extermínio dos corpos e da cultura afro-indígena, mas que hoje se mostra como a grande força da resistência no Brasil. 

De qualquer forma, estamos sim vivendo um momento de guerra, de imposição das vozes invisibilizadas. E isso é fato mais do que legítimo. São séculos de dominação que não serão resolvidos em poucas gerações. Talvez, em um momento futuro, possamos assistir a uma grande revolução de junção dos opostos, um novo paradigma de paz. Por que estou dizendo tudo isso? Porque tem tudo a ver com educação, e com o ensino das Artes. Nosso egresso tem que ter a cabeça de "artista-professor" e não de "professor-artista". É nisto que eu acredito. A arte é o campo da liberdade total, e sua força só afetará a educação na medida em que for verdadeiramente colocada em sala de aula. Mas nossos alunos e alunas estão "dando um banho" neste sentido. É extremamente gratificante ver suas produções visuais, seus momentos nos palcos, seus cabelos cada vez mais enrolados, suas sexualidades assumidas. É gratificante vê-los amadurecer a olhos vistos. Tenho certeza de que nossos estudantes vão levar esta bagagem para dentro da sala de aula quando forem exercer a docência. Sempre pego no pé: "vamos ler os clássicos, vamos olhar o que os artistas e teóricos europeus queriam dizer com suas produções', precisamos disso para desconstruir as linguagens no sentido derridariano e não no sentido vanguardístico histórico. 

 

Equipe responsável pela pesquisa:

Coordenação: Professora Drª. Alessandra Mello Simões Paiva, docente nos cursos de BI e LI em Artes no Campus Jorge Amado

Bolsista: Raone Calixto, discente na Licenciatura Interdisciplinar em Artes

 

 

 

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