Pesquisa mostra pontos a melhorar na gestão local de recursos hídricos
O Brasil é um país de paradoxos. Dentre tantos, o de ter uma legislação ambiental das mais modernas do mundo e ao mesmo tempo padecer com má gestão de seus recursos naturais. Assim, tanto os episódios de secas prolongadas quanto os de enxurradas repentinas acendem repetidos alertas para o despreparo das cidades frente às mudanças climáticas. Um artigo científico que trata da gestão de recursos hídricos em municípios do Brasil, com base em uma pesquisa aplicada na cidade de Itabuna, focalizou o problema do cuidado com as águas. O artigo intitulado What Governance Failures Reveal about Water Resources Management in a Municipality of Brazil foi publicado na revista Sustainability e é assinado por Valerie Nicolllier (UFSB), Marcos Eduardo Cordeiro Bernardes (UFSB) e Asher Kiperstok (UFBA).
O trabalho, derivado da tese doutoral de Valerie, foi conduzido entre 2017 e 2020 e apresenta os dados obtidos pelo estudo das falhas da governança da água em Itabuna, que é polo regional para 50 municípios vizinhos e cerca de um milhão de habitantes do Sul da Bahia. A pesquisa exploratória considerou o conceito de gestão integrada de recursos hídricos para analisar o gerenciamento das águas em Itabuna em quatro dimensões: recursos hídricos, meio ambiente, saneamento básico e desenvolvimento urbano. Essa escolha foi justificada pelo fato de esses âmbitos serem de responsabilidade do município e representarem os pontos de impacto que afetam diretamente os rios da cidade e, por consequência, a quantidade e a qualidade da água disponível.
Enchente Itabuna 2020
Foto: Blog Pimenta 03.08.2020
Apesar da alta taxa de urbanização e da prestação de serviços por órgãos públicos, o gerenciamento dos recursos hídricos, poluídos e degradados, a perda de cerca de 50% do volume distribuído e da falta de tratamento dos dejetos de esgoto são alguns dos problemas ainda presentes na cidade. É uma realidade que se vê em boa parte das cidades brasileiras de portes pequeno e médio. Outros pontos notados em relação à gestão pública dizem respeito à fragmentação de políticas e de atribuições dos entes públicos e aos recentes esforços para que o serviço de água e esgoto seja visto e abordado como um negócio e não como um direito da sociedade, principalmente para viabilizar privatizações no setor.
Gestão nos detalhes
Os pesquisadores indicam que as mudanças necessárias para gerir melhor as águas em âmbito local passam por articulações internas e externas do município. Internamente, é importante que o poder público se envolva com a criação de uma Política Municipal de Recursos Hídricos que inclua um plano municipal de gestão das águas, de recursos hídricos, de conservação dos rios. Ou, idealmente, em conjunto com outras áreas e políticas públicas, como, por exemplo, plano diretor (com um capítulo dedicado à gestão dos recursos hídricos), plano de saneamento básico (que contemple de fato os recursos hídricos), plano municipal de meio ambiente e de recursos hídricos; uma secretaria ou um órgão atrelado a uma outra secretaria (por exemplo, de meio ambiente) com um ou mais profissionais capacitados para atuarem na área; implementação dos instrumentos de gestão que incidem sobre os recursos hídricos, tais como fiscalização da poluição, monitoramento de outorgas, autuação, punição, sistema de informações que poderia manter um cadastro de usuários de recursos hídricos, dentre outros dados importantes. Outra necessidade é desenhar um projeto de governança da água, em que um setor atrelado a alguma secretaria e profissionais capacitados articulam as diversas áreas de gestão que incidem sobre os recursos hídricos, e um plano de ação específico com metas para a implementação dos instrumentos de gestão. Para promover a intersetorialidade no município, é necessário envolver, além dos setores públicos, a sociedade civil, universidades, empresas e comunidades locais.
No âmbito externo, os cientistas destacam que o executivo e o legislativo devem promover o contato do poder público local com outras cidades vizinhas e associações de municípios, os comitês de bacias hidrográficas e órgãos estaduais (SEMA, INEMA, SIHS etc.) e federais (Agência Nacional de Águas, Ministério do Desenvolvimento Regional, Ministério do Meio Ambiente), responsáveis pela gestão dos recursos hídricos. É nesse trabalho de ajuste, realização e atualização das políticas que o município pode avançar na gestão efetiva dos recursos naturais.
Governança em rede
Na avaliação de Valerie, Marcos e Asher, as propostas apontam para um arranjo de governança que é policêntrico. Em termos de políticas públicas, policentrismo significa multiplicidade de organizações e atores sociais em um dado território, formando redes de atuação e de articulação. As relações (horizontais) de redes assim devem promover a troca de informações, participação, colaboração, cooperação e solidariedade. Há um equilíbrio entre processos de coordenação e de autonomia, entre centralidade e descentralização, entre hierarquia e auto-organização. Este sistema é mais flexível, criativo, resiliente e sua capacidade de adaptação é maior na comparação com um sistema hierárquico e centralizador, em que as pessoas atuam apenas quando recebem ordens de seus superiores.
Se houver a efetiva participação social e integração com o poder público, as populações desses municípios estarão melhor preparadas para a mitigação dos danos das mudanças climáticas que afetarão o território com eventos extremos mais frequentes e intensos daqui em diante, como visto nos últimos anos, em que Itabuna viveu um período de estiagem, de 2015 a 2016, e as enchentes do final de 2021, avalia o trio de cientistas. Isso reforça a importância de ações de planejamento e da implantação de instrumentos de gestão previstos na "Lei das Águas" (Lei Federal nº 9.433/1997).
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