Os rumos da curricularização/creditação da extensão na UFSB
Os rumos da curricularização/creditação da extensão na UFSB
A professora Khetrin Maciel, da área de comunicação da PROEX, entrevista a professora Alessandra Simões, coordenadora de Planejamento e Gestão da Extensão
K: Como está o processo da curricularização/creditação da extensão na UFSB?
A: Internamente, no setor, fizemos uma série de estudos de documentos do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX), de resoluções e instruções normativas de outras instituições e conversamos muito. Concomitantemente, no final do ano passado, a Coordenação de Extensão da PROSIS, representada por mim, realizou reuniões de sensibilização com as coordenações de cursos para apresentar a Resolução n. 7/2018, do Conselho Nacional de Educação e suas implicações nos currículos de graduação. Em dezembro de 2019, a professora Ana Inês Sousa, da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ, passou um dia inteiro conosco em reuniões, para compartilhar a experiência da UFRJ, mostrando como implantaram a creditação lá, o que deu certo, o que não deu. Dessas reuniões participaram servidoras e servidores da atual PROEX, da PROGEAC (DEA e DPA) e da PROTIC. De lá para cá, continuamos estudando, ponderando, conversando entre as pró-reitorias, consultando outras instituições, e tudo isso culminou com a criação de uma Comissão Institucional portariada pela Reitoria para elaborar a minuta de resolução. A minuta foi disponibilizada para a comunidade acadêmica no mês de junho, quando ocorreram também duas reuniões (18 e 26/6) conduzidas pela PROEX e pela DEA/Progeac. Após as reuniões e considerando as contribuições dos/as presentes, a Comissão ajustou a minuta e reencaminhou para os colegiados, para uma discussão mais ampliada com a comunidade, o que é muito importante, já que os NDEs e os colegiados de cursos serão os grandes responsáveis pelas adequações dos PPCs. Em meados de agosto recebemos as devolutivas das coordenações de cursos, analisamos as sugestões e estamos reorganizando o documento juntamente com a Progeac, pois agora é um momento de ponderar sobre detalhes bastante minuciosos e complexos relativos à concretização do processo antes de encaminharmos para avaliação das Câmaras de Extensão e de Graduação e, após isso, ao Consuni. Nesse ínterim, realizamos uma reunião com a Pró-Reitoria de Extensão da UFRN para entender melhor alguns aspectos relacionados ao SIG, vislumbrando uma negociação de parceria para o alinhamento de diretrizes nas modificações no sistema para a possível comunicação entre os módulos de ensino e extensão. No entanto, constatamos que há algumas diferenças entre o que eles estão querendo implementar e o que pretendemos na UFSB. Então, além da resolução e de diretrizes para as alterações nos PPCs, ainda precisamos avaliar, juntamente com a Protic, quais as possibilidades para a implementação da creditação no sistema. Uma das ideias recentes é a de que poderíamos tentar uma parceira com alguma universidade também conveniada com o SIG e que já adequou o sistema de modo mais próximo do que queremos. Tivemos também uma reunião muito proveitosa com a Pró-Reitoria de Extensão da UFABC, mas, lá, ainda estão como nós em relação ao SIG.
K: Alguns cursos estão adequando os currículos a partir da Resolução que alterou a Formação Geral. Como fica a curricularização/creditação da extensão?
A: Esse é nosso principal desafio do momento, pois as mudanças provocadas pela redução da carga horária da Formação Geral e as outras alterações provocaram a necessidade de apressar um processo que seria mais delongado, como o da curricularização da extensão, que não é apenas a transformação de atividades de extensão em créditos, mas a extensionalização dos currículos de um modo mais radical. De qualquer modo, pensando no desafio de uma transformação como essa pela primeira vez nos currículos, no quantitativo de 10% da carga horária total dos cursos, propusemos, em conjunto com a DEA/PROGEAC, um CC de Iniciação à Extensão na Formação Geral. Naquele momento, acreditávamos que seria uma oportunidade para os/as estudantes ingressantes que, muitas vezes, nunca ouviram falar em Extensão, tivessem contato com esse pilar da universidade e se preparassem para as atividades futuras. No entanto, a proposta foi rejeitada pelo Conselho Universitário.
K: Como foi o retorno da minuta de resolução pela comunidade acadêmica?
A: Tivemos nove devolutivas, o que dá uma boa medida do envolvimento da comunidade. Muitos cursos compreendem que a inserção da extensão no currículo terá um efeito dinamizador no ensino, arejando o currículo. Mas muitos ainda não entendem isso ou se sentem perdidos diante da complexidade do tema, que realmente demanda muito estudo, reflexão e diálogo com toda a comunidade universitária. de qualquer modo, acho que os debates internos, nos cursos, a partir da minuta, já serviram como sensibilização tanto para a reformulação dos PPCs quanto para caminharmos institucionalmente para níveis maiores de envolvimento de discentes e docentes com a extensão.
K: Quais os pontos mais importantes nos retornos dos cursos relativos à minuta da resolução?
A: Foram apontadas questões muito pertinentes. O que observamos é que será necessário discutirmos sobre alguns temas que tangenciam a creditação e que nem sempre são da competência da PROEX ou mesmo da PROGEAC como questões atinentes ao SIG e também sobre carga horária docente. Na PROEX, também precisaremos atualizar a Resolução que dispõe sobre as atividades de extensão na UFSB e elaborar documentos adicionais, a fim de normatizar fluxos e processos não apenas referentes à curricularização e creditação da extensão, mas outros temas que já estavam em nosso planejamento como a normatização sobre prestação de serviços, por exemplo, bem como a discussão sobre extensão tecnológica, dentre outros.
K: De certa forma, os/as docentes estão ansiosos/as porque muitos já começaram há um certo tempo a reformular os PCCs e até mesmo a enviá-los para aprovação no Consuni. Como ficará esta situação?
A: De fato, a situação tem gerado muitas dúvidas e inseguranças. É fundamental ainda que as pessoas se atentem ao fato de que a política extensionista da UFSB é um processo em construção. Somos uma universidade nova e a PROEX acabou de ser criada, em abril deste ano. Os documentos que estão sendo produzidos pela PROEX é que compõem a política extensionista da UFSB. A resolução 24/2019 já é uma revisão da resolução anterior da Coordenação de Extensão antes localizada na PROSIS, mas ela terá que ser revisada novamente. Como qualquer projeto novo, enfrentamos dificuldades, especialmente diante do cenário de contingenciamento de recursos e de todas problemáticas advindas da falta de financiamento. Lá na ponta, a creditação vai precisar de investimento, pois projetos, deslocamentos, bolsas, equipamentos necessitam de recursos. Há ainda vários detalhes apontados nos documentos sobre os quais estamos nos debruçando. O que é importante salientar é que o processo de curricularização envolve, primeiro, a aprovação de uma resolução geral, pelo Consuni, e, apenas após isso, a reformulação concreta dos PPCs, a partir de diretrizes elaboradas pela Comissão Institucional.
K: Quais estão sendo as maiores dificuldades que a equipe responsável está enfrentando?
A: Como eu disse, a curricularização é um processo muito complexo. Envolve não apenas a extensão, mas a área de ensino, porque envolve a reformulação do currículo, e a área de tecnologia, que traz a solução para a operacionalização. Os 10% impactam significativamente nos currículos e devem ser entendidos como parte fundamental da trajetória formativa do corpo discente e não como atividades extras, como são as atividades complementares. Essa participação deve ocorrer em 10% da carga horária total do currículo. Isso significa que, em um currículo com três mil horas, o/a estudante deverá comprovar sua participação em 300 horas de atividades de extensão. E, de preferência, sem o curso passar a ter 3.300 horas. Muitas pessoas podem pensar que a creditação pode retirar horas de CCs importantes para o curso, mas não é isto que deve acontecer, e sim mudanças nas concepções de ensino e aprendizagem. É essa a direção do PNE e da Resolução do CNE: a estrutura curricular vigente deve ser analisada para que qualquer proposta de creditação da extensão não seja apenas justaposição de mais uma "disciplina" no currículo. Os mesmo CCs importantes podem ser ministrados de diferentes maneiras; uma delas é por intermédio de atividades praticadas num projeto ou programa de extensão, que demandam tanto conhecimento quanto pode ser aprendido em sala de aula. Aliás, tem muita gente fazendo extensão em CC sem documentar isso. Eu mesma sou uma professora de rua, por assim dizer, em muitos de meus CCs faço arte urbana com os/as estudantes e interagimos com as comunidades. É claro que há CCs mais difíceis de propiciar essas experiências formativas fundamentadas nas trocas com a sociedade, isso tem que ser analisado no contexto de cada curso. Mas as pessoas têm que lidar com o fato de que a curricularização inverte completamente valores muito arraigados na universidade, mudando a lógica divisionista escamoteada sob o famoso jargão da importância do tripé pesquisa-ensino-extensão. As bases deste tripé devem realmente interligar suas três pernas para sustentar a universidade de forma consistente, mas isto ainda não acontece em grande parte das instituições brasileiras. E também não vai acontecer tão rapidamente, é uma mudança de paradigma, e paradigmas não mudam da noite para o dia. Mas a creditação vai induzir de forma bastante expressiva esse processo. O interessante é que se trata de um processo novo para todas as universidades públicas no país. Algo grande e incerto que envolve uma gama muito ampla de fatores. O resultado da soma disso ainda é uma incógnita para todas as instituições. É uma conquista histórica do FORPROEX, mas que ainda está por começar de verdade.
K: Parece que a creditação acarreta um impacto maior no ensino do que na pesquisa, é isso?
A: Na UFSB, a relação da pesquisa com a extensão tem se dado por meio das iniciativas pontuais de docentes que transpõem seus projetos de pesquisa para a comunidade. Isto deve se amplificar por conta da permeabilidade que a extensão vai provocar em vários âmbitos e ajudará os/as professores/as a aprofundarem seus modos de interligar melhor pesquisa, extensão e ensino, a encontrarem metodologias para viabilizar essa integração com criatividade. Além disso, de modo mais associado à pesquisa, temos a extensão tecnológica, que ajuda muito a promover a integração entre laboratórios, centros de pesquisa regionais e a criação de produtos e serviços, gerando empreendimentos sustentáveis. Recentemente, nos aproximamos da PROPPG para alinharmos as normativas das incubadoras tecnológica e social, que deverão ter um lançamento conjunto nas próximas semanas. Mas ainda temos muito o que fazer de forma intersetorial. Regulamentar melhor prestação de serviços e captação de recursos juntamente com a PROPA, aprofundar os limites entre pesquisa e extensão tecnológica juntamente com a PROPPG, a questão da pontuação para estágio probatório, progressão, reconhecimento dos/as técnicos/as-administrativos/as na extensão com a PROGEPE, etc. Mas o impacto no ensino é realmente gigantesco. O ensino precisa se revisar como um todo para fazer a extensão acontecer de forma integrada e não paralelamente, como já vem ocorrendo. É lógico que isso pode ocorrer com maior ou menor intensidade, dependendo da área do curso, do perfil do corpo docente etc. Mas é preciso colocar em prática as próprias discussões acerca dos parâmetros curriculares que questionam o ensino descontextualizado e compartimentalizado, baseado no acúmulo de informações. A extensão mostra o que já é óbvio: o conhecimento é muito mais significativo mediante a contextualização. Outro fato importante é que a extensão deve gerar impacto social por meio de estratégias dialógicas com as comunidades, e não a partir da visão assistencialista ou da extensão como veículo de transporte para que o conhecimento seja levado de dentro para fora, numa via de mão única. Mas acho que o grau do impacto social advindo da creditação também vai ocorrer em níveis diferentes, de acordo com a natureza dos cursos e dos/as próprios/as docentes, discentes e técnicos/as-administrativos/as. São muitas frentes. O impacto pode ser medido, por exemplo, não apenas em relação às atividades que trabalham diretamente com populações altamente vulneráveis, mas em frentes diversas, como no meio ambiente, na cultura, nas políticas públicas, na formação profissional dos/as discentes, na geração de tecnologia e negócios etc. Isto dentro de um contexto como nosso território é de uma força enorme, afinal, estamos em um genuíno hotspot natural e cultural que prescinde de políticas públicas que incluam uma ampla articulação entre os entes federativos. Além da formação discente de caráter cidadã proporcionada pela extensão e pelo ensino como um todo na UFSB, alavancar a formação profissional técnica e especializada de estudantes de classe social baixa (como é o perfil de grande parte de nosso corpo discente) também já é de um impacto significativo. Mas a ideia basilar, isto é, a aprendizagem pela prática, seja ela por meio de projetos, solução de problemas, entre tantos outros métodos, isto é inegável que seja algo definitivamente efetivado por meio da extensão.
K: Como você avalia o tempo que este processo está levando diante da necessidade de se cumprir o prazo para implantação da creditação da extensão nos Projetos Pedagógicos dos cursos de graduação até 31 de dezembro de 2021?
A: O processo está caminhando, mas tem um tempo de maturação grande diante de sua complexidade. A Resolução MEC/CNE/CES nº 7, que estabelece as diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto no PNE (2014-2024), só foi publicada em dezembro de 2018. Realmente foi o gatilho para que grande parte das universidades se movimentassem em torno da creditação, apesar de o tema já estar presente no PNE anterior. As universidades que tomarem a iniciativa de discutir a questão já no início dos anos 2000 estão mais adiantadas, mas há ainda muitas instituições debatendo com suas comunidades as possíveis resoluções e outras normativas. Estamos em um patamar muito próximo dessas outras universidades, que são muitas, como pode ser atestado em um levantamento recente feito pelo Forproex. Apesar da ansiedade em torno das reformulações dos PPCs, temos que lidar com todas essas complexidades e, sobretudo, com nossos limites reais.
K: Há diferenças da curricularização nos Bacharelados e nas Licenciaturas?
A: Este é um dos pontos nevrálgicos. As licenciaturas precisam ser discutidas de forma mais aprofundada nas suas especificidades. Temos o complicador dos estágios. Tem universidade que vai considerar parte do estágio como extensão, descartando a duplicidade de carga horária como problema jurídico, como é o caso da UFRN. A UFPR também divulgou que no início de seus trabalhos a comissão de creditação era completamente contra isso, porém, após discussões com a comunidade, resolveu-se buscar um meio-termo a fim de viabilizar parte da carga horária do estágio como extensão, especialmente quando é comprovado o exercício dos princípios extensionistas nesta modalidade, como interação dialógica, impacto na comunidade, resolução problemas da comunidade, construção de produtos extensionistas. Mas tem universidades que são contra isso. Outro ponto a considerar são os programas que estão vinculados à PROGEAC, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência-PIBID e o Programa de Educação Tutorial-PET. Esses programas precisam de um acompanhamento para a definição e creditação de seus princípios extensionistas. A resolução da creditação pode assegurar a validação das horas trabalhadas nos projetos desses programas, desde que isto esteja previsto no Projeto Pedagógico dos Cursos, mas essa questão precisa ser analisada ainda pela PROGEAC.
K: Quais serão os próximos passos?
A: Neste momento, estamos em fase de reformulação da minuta da resolução com base nas devolutivas da comunidade e em outras possíveis ponderações nossas. Após isso, vamos submeter o documento às Câmaras de Graduação e Extensão. Também estamos em busca de parcerias externas para a viabilidade no sistema. Acredito que seria bastante proveitoso que os NDEs e os colegiados buscassem informações sobre como a creditação vem sendo feita em outras universidades dentro de suas áreas, pois esta visão de cada área foge ao nosso alcance. Uma iniciativa interessante foi desenvolvida por um grupo de docentes de Direito, que promoveram um evento sobre a curricularização da extensão com outras universidades. Outra questão que estamos analisando é sobre a constituição de uma comissão de acompanhamento, que deve incluir temas como a (auto)avaliação, os indicadores e os instrumentos de avaliação, tanto para o/a discente quanto para os resultados alcançados junto ao público parceiro da extensão.
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