Pesquisadores vão analisar fragmentos remanescentes do derrame de óleo no litoral sul do Nordeste
Quais impactos os fragmentos de petróleo “esquecidos” mais de um ano após o derramamento que afetou a costa do Nordeste ainda podem causar ao ambiente marinho? A pergunta importa bastante para o ambiente e todos os setores econômicos afetados pelo desastre. Se por um lado não há relatos de novo volume derramado chegando às praias, pesquisadores registraram fragmentos de petróleo em praia do litoral sul da Bahia e apontam para os danos que ele pode causar ao longo do tempo.
Um estudo sobre o efeito da fração do petróleo solúvel em água na sobrevivência de estágios larvais de algumas espécies de camarões está sendo realizado pelo Grupo de Pesquisa em Carcinologia e Biodiversidade Aquática, vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Biossistemas da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB). Essas análises fazem parte do projeto de pesquisa Efeitos do derramamento de óleo em organismos de praias e manguezais no litoral sul da Bahia e sistemas integrados de biorremediação ex situ, financiado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFSB no edital 10/2019, dedicado a apoiar estudos sobre os danos ambientais provocados pelo fato. A investigação é coordenada pelo professor Fabrício Lopes de Carvalho, que pesquisa e ensina no Centro de Formação em Ciências Agroflorestais (CFCAf), no Campus Jorge Amado (Itabuna), com a participação da acadêmica Marina Santos de Jesus, doutoranda no programa de Pós-Graduação em Biossistemas (PPGBIO/UFSB), do qual o professor Fabrício também é integrante.
Para isso, amostras de petróleo coletadas no período em que as manchas de óleo começaram a surgir em praias desta região e de fragmentos coletados um ano após o evento serão analisadas e utilizadas em experimentos que simularão a exposição de crustáceos aos contaminantes presentes no petróleo. Conforme a equipe de pesquisa, entender os efeitos de desastres ambientais como esse é importante para a elaboração de estratégias de redução de impactos (como barreiras físicas, coleta do petróleo, entre outras) e remediação (processos que auxiliam a degradação de compostos de hidrocarbonetos em áreas afetadas). "Não podemos esquecer que ainda temos muito petróleo oriundo do derramamento de 2019-2020 “esquecido” ao longo de nossa costa e, provavelmente, esse óleo continuará impactando as nossas espécies aquáticas por muito tempo e que eventos como esse podem acontecer novamente, infelizmente", conclui relato da equipe encaminhado à ACS.
Em 2019, na época do derrame de petróleo nas praias, o GPCBio em parceria com o Laboratório de Ecologia Bêntica (LEB) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), coletou e analisou amostras de crustáceos entre a Praia dos Milionários e o Manguezal do Cururupe, ambos em Ilhéus.
A dimensão dos prejuízos
Conforme os pesquisadores, o último levantamento da Marinha brasileira indicou que o derramamento de petróleo na costa brasileira em 2019-2020 atingiu os nove estados do Nordeste além de dois estados do Sudeste, atingindo mais de 130 municípios. O petróleo é característico da Venezuela, porém o ponto de origem e a embarcação responsável pelo derramamento são incertos.
Os cientistas destacam que, ao ser liberado no ambiente marinho, o petróleo expõe os organismos aos seus efeitos nocivos que, a longo prazo dentro da cadeia alimentar, podem extinguir espécies locais, momentânea ou definitivamente. No entanto, os efeitos biológicos e toxicológicos do óleo estão relacionados com a forma como está disponível, a sua persistência, pela capacidade que cada organismo tem para reagir aos contaminantes (hidrocarbonetos, metais e outras substâncias químicas), além do tempo de exposição.
De um modo geral, os prejuízos causados pelas manchas de petróleo na costa nordestina foram muitos, com impactos imediatos nos estuários, rios, manguezais, praias, recifes de coral e outros ambientes costeiros. Muitas pessoas que vivem em regiões costeiras também tiveram a vida afetada de alguma forma. No município de Ilhéus, localizado no Sul da Bahia, as manchas de petróleo atingiram vários pontos do litoral, afetando espécies animais de importância ecológica e econômica, como peixes, camarões e caranguejos. Contudo, devido à ação de uma força tarefa formada por servidores da prefeitura, grupos de voluntários, corpo de bombeiro, dentre outros, que agiu de imediato na limpeza desses locais, removendo toneladas de óleo, os prejuízos ambientais não foram maiores.
Embora a situação atual na região seja diferente do período mais crítico do desastre, quando o petróleo afetou diretamente a vida de animais marinhos pelo contato direto com o óleo cru ou sua fração solúvel em água, o rastro tóxico deixado no ambiente e a permanência de fragmentos sólido de óleo, como os encontrados ao longo da praia Me Ache, no bairro Pontal, Ilhéus, mais de um ano após o início do derramamento, é muito preocupante. "Se todos esses fragmentos ainda estão visíveis em áreas com fácil acesso e considerável circulação de pessoas, qual será a quantidade de petróleo ainda presente no ambiente em áreas de difícil acesso, misturada a sedimentos em áreas próximas às praias e nos manguezais, entre as fendas de rochas e recifes de coral?", indagam os pesquisadores.
Fragmentos de petróleo encontrados na praia Me Ache, Pontal, Ilhéus, um ano após o desastre do óleo chegando às praias nordestinas. Esse é um indício de que mais óleo pode estar contaminando ambientes aquáticos no litoral do Sul da Bahia, conforme os pesquisadores
Para eles, a grande preocupação reside no fato de que esses fragmentos sólidos de óleo ainda podem conter altas concentrações de compostos tóxicos como hidrocarbonetos, por exemplo, que são persistentes no ambiente e altamente tóxicos para os seres humanos e organismos aquáticos em função do potencial carcinogênico (ou seja, pode provocar câncer) e neurotóxico.
O professor Fabrício e Marina apontam ainda que não é possível descrever quando os processos naturais serão capazes de restabelecer seu completo equilíbrio após a exposição aos agentes tóxicos. Dessa forma, avaliar os efeitos crônicos da contaminação do ambiente em espécies de animais aquáticos é fundamental para que se tenha um diagnóstico mais preciso sobre o nível do impacto do óleo para as espécies a curto, médio e longo prazos. "Com base no que conhecemos de eventos anteriores de derramamento de óleo, sabemos que o impacto em animais aquáticos duram por muitos anos. Como exemplo, podemos citar os efeitos do derramamento de petróleo do navio Exxon Valdez, no Alasca em 1989, sobre lontras que habitam a área impactada. Um estudo indicou que os animais ainda apresentavam sinais expressivos de exposição contínua ao óleo no ano de 2008, quase 20 anos após o desastre ambiental", explicam os cientistas.
Adicionalmente, pesquisas científicas afirmam que a fração solúvel em água do petróleo contêm compostos de hidrocarbonetos que podem causar uma série de efeitos danosos aos animais aquáticos. Além do potencial carcinogênico, esses compostos interferem os processos de crescimento, ovulação, desenvolvimento, sobrevivência, dentre vários outros aspectos biológicos.
Com imagens e informações de Fabrício Lopes de Carvalho e Marina Santos de Jesus
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